O espaço noticioso e analítico ocupado até agora pelo autonomeado centro (eliminaremos doravante as aspas por economia de espaço) anda diretamente proporcional à indiferença do eleitorado diante de ter ou não um candidato centrista competitivo. O fenômeno não chega a ser novo. De tempos em tempos nossa nata intelectual se refugia num universo paralelo.
Essa fuga resulta também de certa conhecida compulsão sebastianista, de buscar num passado que nunca volta velhas soluções para um presente recheado de problemas algo originais. E o problema novo do centrismo é ter perdido a hegemonia sobre seu bloco, ter perdido a capacidade de subjugar pacificamente a direita de raiz, como fazia desde a redemocratização.
Ou desde pelo menos 1994, quando Fernando Henrique Cardoso se aliou ao PFL para, impulsionado pelo Real, derrotar Lula. Bater o líder petista ali e dali a quatro anos deu não só dois mandatos presidenciais ao PSDB: deu-lhe o comando sobre um bloco histórico, posição que resistiu à passagem de um quarto de século, e a três derrotas em disputas presidenciais.
Mas parece não estar resistindo à quarta. Assistimos à rebelião da direita contra o PSDB, e a resiliência de Jair Bolsonaro é uma expressão. Em parte porque os tucanos compartilham com o PT fragmentos do DNA e da visão de mundo, como Jessé de Souza explica. Em parte porque a direita desconfia de que pôr as fichas no PSDB arrisca uma quinta decepção no pano verde.
É difícil a equação do PSDB. Se acenar à esquerda, corre o risco de alienar decisivamente uma massa eleitoral que lhe dá competitividade desde FHC. Se ceder ainda mais à bolsonarização, abre espaço a que o PT, ou algum satélite petista, apareça, numa armadilha típica da política, com alternativas eleitorais palatáveis ao centrismo. Será que Lula está nessa?
Foi sintomático FHC lamentar dias atrás não ter mantido pontes melhores com a esquerda. Tem algo de Fausto entristecido quando o tinhoso traz a conta depois da longa juventude, mas não deixa de ser interessante. O ex-presidente tucano deve estar desconfortável como aiatolá ainda oficial de uma legenda cujos novos líderes preferem o MBL a Max Weber.
FHC é cada vez mais apenas um retrato na parede, tratado com respeito, mas de influência residual. O PSDB hoje é João Doria, Nelson Marchezan, Nilson Leitão e Rogério Marinho. Vem também daí parte das dificuldades de Geraldo Alckmin, que talvez sintetize melhor o centrismo à procura de uma cadeira depois que a música parou de tocar de repente.
O que distingue exatamente hoje o discurso e o programa do PSDB, e de outros candidatos à cadeira do centro, do bolsonarismo? Quem tiver tempo e paciência, que se aventure na missão de procurar. Na economia, talvez uma dose a mais de liberalismo. Para azar, os últimos resultados da política econômica não são exatamente animadores eleitoralmente aos liberais.
Sobre a Lava-Jato, PSDB, centristas menos votados e bolsonaristas estão alinhados no apoio entusiástico à prisão e à inelegibilidade de Lula. O que faz mais complicada a missão de algum petista, talvez Fernando Haddad, disposto a reconstruir aquele sonho do final dos anos 80 e início dos 90, de uma aproximação com os tucanos em torno de teses social-democratas.
Restam os temas identitários e ambientais. Aí poderia ter jogo. O tucanismo poderia eventualmente reinventar-se como macronismo, juntando liberalismo econômico, identitarismo e ambientalismo. Não por acaso é a pauta feroz e recorrente de onze entre dez dos nossos principais órgãos de imprensa. Talvez seja o sonho secreto de FHC. Mas não seria fácil de operar.
Faltam os atores adequados na direita e no dito centro. Joaquim Barbosa? Veremos como se desenvolve a campanha. Mas as pesquisas mostram que não é coisa simples demolir os blocos ideológicos alinhados de cada lado, apesar do esforço da opinião pública, a advertir toda hora sobre o risco do extremismo. Quatro anos de Lava-Jato deram bom gás aos radicais.
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