sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Política externa é força. Esquecer disso costuma dar problema

O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, entrevistado pela BBC, notou que os Estados Unidos fecham a porta para negociações com o governo Maduro sobre o futuro da Venezuela, mas negociam com a Coreia do Norte e com o Talibã. E, acrescento eu, amenizam a reação ao assassinato, no consulado saudita de Istambul, de um jornalista opositor do regime Saud.

Quem discorre sobre motivações humanitárias ou ideológicas em política externa perde tempo ou está soltando cortina de fumaça. Um exemplo: enquanto bate os tambores da guerra para remover “a ditadura Maduro”, a mesma “opinião pública” exige do governo brasileiro que se dobre ao diktat de tiranias árabes para não perder exportações de carne e frango.

Todo mundo é livre para investir seu precioso tempo e energia em longuíssimos debates sobre “direito internacional”, e outras platitudes. Na real, entretanto, a análise só se torna objetiva quando olha para o único vetor decisivo nas relações entre os países: a força. É ela quem determina o limite entre desejo e possibilidade, entre o que se quer fazer e o que se pode fazer.

Os Estados Unidos estão negociando com o Talibã porque o custo de derrotá-lo militarmente é proibitivo. A Coreia do Norte não terá, parece, o destino do Iraque porque tem a bomba atômica e a de Hidrogênio. A “ditadura Saud” é tratada com luvas de pelica pois está aliada aos Estados Unidos contra o eixo, também ditatorial, xiita-alauíta, que reúne o Irã, a Síria e o Hezbollah.

A entrevista de Mujica à BBC está aqui. O que eu entendi das respostas dele: a esquerda sul-americana talvez devesse pensar na hipótese de que a democracia e a paz nas Américas dependem de os países da região não colocarem em risco a liderança geopolítica de Washington no continente. Mais ou menos como era até os anos 80, quando a Guerra Fria dava as cartas.

A relativa descompressão das relações entre Washington e a América do Sul (e a Latina) correspondeu exatamente ao período entre o fim da União Soviética e a ascensão de uma nova aliança Moscou-Pequim a desafiar a hegemonia norte-americana. Anos em que se supunha estabelecido e estável o domínio da superpotência vencedora das disputas do pós-2a Guerra.

Agora isso está em xeque, e não por uma nova disputa com ares ideológicos. A questão é nacional. A Rússia com Putin não é mais a da dupla Gorbatchev-Ieltsin, pois os russos perceberam que o projeto do Ocidente para eles é, numa palavra, colonizador. E a China, após quatro décadas da política de Deng Xiaoping, tornou-se um competidor de igual para igual na arena econômica. Com vantagens até.

Daí que a política externa de Washington tenha voltado ao modo de contenção de potenciais rivais. No caso da China, conter o acesso dos chineses a fontes de matérias primas e mercados consumidores. Mujica nota bem que o inaceitável para os Estados Unidos na Venezuela não são as violações aos direitos humanos, mas a possibilidade de a China controlar o petróleo dali.

Engenharia de obra feita é confortável, mas é legítimo especular se não teria havido um certo amadorismo no modo de implementação da política Sul-Sul pelos governos ditos de esquerda na América do Sul, Brasil incluído. Uma certa ingenuidade na análise da correlação de forças global. Uma ilusão de que o declínio de uns e a ascensão de outros seria linear e pacífica.

Falar é fácil, especialmente depois. Mas de vez em quando pode ser útil.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

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