domingo, 3 de novembro de 2019

A lógica da dissuasão. E o Big Stick ao contrário

Já descrevi na análise anterior (“Por que de repente a coisa desanda…”) como a sensação de injustiça tem potencial para desencadear rebeliões que parecem brotar do nada. Há ainda outro fator. É preciso que as instituições políticas tenham perdido a necessária capacidade de absorver as ondas de choque quando a insatisfação da massa alcança um ponto crítico.

Ou seja, é preciso que as pessoas tenham se desiludido, ou ao menos atingido um patamar de ceticismo, sobre a possibilidade de resolver “pacificamente” as pendências com o governo. É a situação propícia a que correntes políticas busquem mudar rapidamente, por meio da “rua”, a correlação de forças, e portanto a configuração do poder.

É natural, também por isso, que em qualquer país e qualquer tempo a oposição trabalhe para dificultar que aquelas ondas de choque sejam absorvidas, ao menos enquanto ela própria não alcançar o objetivo de poder. Ou entrando no governo ou promovendo uma troca de guarda. Daí a inutilidade, para a oposição, de platitudes como o adjetivo “construtiva”.

E o governo? Precisa trabalhar dia e noite para impedir o atingimento do ponto nodal em que as pessoas passam a duvidar do “funcionamento” das ditas instituições. E precisa lembrar sempre à sociedade que tem instrumentos repressivos capazes de evitar a perda de poder, e tem também a disposição de usá-los, se for preciso para evitar a perda do controle.

Paulo Guedes é o principal instrumento de Jair Bolsonaro para manter acesa a esperança de que as coisas vão melhorar. Há porém dois complicadores. Nem os mais otimistas acham que a vida vai ficar muito melhor tão rápido, e os realistas sabem que é grande a possibilidade de uma turma expressiva acabar ficando para trás mesmo quando as coisas melhorarem.

Daí que o governo declare repetidamente a disposição de reprimir. É uma tática de dissuasão. E a referência ao AI-5 só chocou quem esqueceu que o bolsonarismo é uma força política externa ao bloco derrotou o ciclo militar em 1984/85. Ele não tem qualquer compromisso com a narrativa da Nova República. Aliás é a expressão atual dos derrotados naqueles dois anos.

Entretanto, a dissuasão pela exibição de força só tem efeito se há a disposição e a capacidade reais de usar a força. E tudo na vida tem dois lados. No Chile, por exemplo, Sebastián Piñera acabou perdendo a capacidade de dissuasão quando quis exibir uma força que não tinha como utilizar plenamente no plano operacional: as Forças Armadas.

E quando você ameaça usar uma força que na prática não está disponível você acaba mandando sinais de fraqueza, e reduzindo portanto a capacidade de dissuasão.

Fica a dica.

*

Governos precisam mostrar permanentemente que estão fortes, e uma parte disso é evitar o isolamento, nas ruas e nos salões. A situação ótima é quando o governo convence a sociedade, especialmente as elites, de que ele é essencial para resolver os problemas. A situação razoável é quando ele dá a impressão de não estar atrapalhando.

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