Por que os opositores não se reúnem numa frente ampla contra
Jair Bolsonaro? A explicação está ao alcance. Qual dos candidatos a participar
da frente vê no capitão uma ameaça significativamente maior que a representada
pelos possíveis aliados táticos contra o presidente da República?
Pois seria simples de resolver.
Bastaria todos firmarem o compromisso de apoiar quem for ao
segundo turno contra Bolsonaro. Se o presidente estiver no segundo turno.
Poupariam tempo e energia. E cada um faria seus próprios comícios, passeatas e
que tais. Sem o risco de ser apupado pelos amigos de hoje, que amanhã voltarão a
ser os inimigos de ontem.
Qual é o obstáculo? Em largas parcelas do espectro
político-social-empresarial apoiar Bolsonaro ou manter certa neutralidade, no
primeiro ou no segundo turnos, continua sendo uma opção à mesa. E alianças
políticas só se consolidam quando se cristaliza a consciência, ou a
circunstância, de uma ameaça externa qualitativamente maior.
Um exemplo aliancista sempre lembrado é a Frente Ampla
costurada por Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, que tentaram atrair João
Goulart. No fim, o regime militar implodiu a articulação e ela acabou sendo o
canto de cisne político dos três.
Eram inimigos e só começaram a conversar sobre juntar-se
quando a ameaça existencial política já tinha desabado ou estava apontada para
todos eles. Lacerda fora um líder de 1964. E JK votara no marechal Castelo
Branco na eleição indireta para substituir o deposto Jango.
Outro episódio de referência é a Segunda Guerra Mundial.
União Soviética, Estados Unidos e Reino Unido uniram-se para derrotar a
Alemanha. O incauto pode ser induzido a acreditar na fábula das três potências
que certa hora decidiram salvar a humanidade, deixaram para depois as
diferenças e deram-se as mãos na urgente tarefa comum.
O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha quando
esta invadiu a Polônia, mas britânicos e franceses esconderam-se numa guerra de
mentirinha ("phoney war"), ou pelo menos de baixa intensidade, até os
alemães atacarem a França.
A União Soviética só passou a combater a Alemanha quando foi
invadida por ela, em junho de 1941. Antes, firmara em 1939 um pacto de
não-agressão com Berlim, para neutralizar a pressão que britânicos e franceses
faziam sobre os alemães para estes atacarem os soviéticos. E os Estados
Unidos só entraram na guerra quando atacados pelos japoneses em Pearl Harbor,
em dezembro de 1941.
Súditos da rainha, liderados de Stalin e comandados por
Roosevelt só se deixaram arrastar para a guerra quando se viram
diante de uma ameaça existencial direta. A eles mesmos (URSS), a seu império
(Reino Unido) ou à sua área de influência no Pacífico (EUA).
Que futuro o PT oferece ao “centro” para este fechar as
portas definitivamente a Bolsonaro? E que garantias a esquerda raiz tem de vida
mais fácil num governo da “terceira via”?
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Publicado na revista Veja de 29 de setembro de 2021, edição nº 2.757
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