A dissolução e o desmembramento da União Soviética abriram um período de hegemonia da globalização. Não apenas no terreno econômico, mas também na geopolítica e na ideologia. Mesmo a esquerda, que nos anos 1990 e na virada do século ainda se batia contra a tendência, transitou em anos recentes, em sua maioria, para a defesa de uma “globalização benigna”, fundada nas causas ambientais, identitárias e numa justiça social sem rupturas.
Esse período vai, pouco a pouco, mostrando seu esgotamento. Num planeta interconectado em que os países busquem cada um livremente desenvolver-se, será irreversível que o eixo da hegemonia econômica se desloque rumo à Ásia. A razão deve ser buscada na aritmética. Sem contar os demais países asiáticos, China e Índia, juntas, têm população que corresponde a quase quatro vezes a soma dos habitantes dos Estados Unidos e da União Europeia.
O otimismo ocidental com a globalização impulsionada a partir dos anos 90 do século passado supunha que a absorção das grandes economias asiáticas pelo mercado global comercial e financeiro, China e Índia à frente, acabaria por consolidar a hegemonia do Ocidente político. Aconteceu o contrário, e hoje este sabe que o desenvolvimento pacífico do planeta projeta um mundo em que norte-americanos e europeus não mais darão as cartas sozinhos.
Essa conclusão óbvia está na base das tensões e conflitos planetários mais relevantes e acaba de ser abertamente manifestada num pronunciamento oficial do Departamento de Estado dos EUA, a que a política exterior da UE aparentemente decidiu acoplar-se acriticamente, talvez com alguma resistência, como é tradicional, da França. A nova política do Ocidente é desglobalizante, buscando enfraquecer polos potencialmente ameaçadores à hegemonia.
Toda essa introdução é para informar que o Brasil está diante de um enigma, um problema, na acepção matemática. Somos um país do Ocidente geográfico e político (agora que o conceito de Terceiro Mundo parece algo enfraquecido), mas na esfera da economia a inércia nos empurra a estreitar relações com o Oriente geográfico e político, este definido pelos países que EUA e UE consideram ameaçadores a sua liderança.
Não é à toa que, por enquanto, as manifestações sobre a guerra na Ucrânia vindas dos aspirantes à Presidência com expectativa real de poder a partir de 2023, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro, tragam alguma superposição. Restou aos demais a “photo-op”, alinhar-se à narrativa dominante para aproveitar a janela de oportunidade. Mas o problema colocado pela vida real é mais complexo. Como equilibrar-se no arame sem cair ou ser derrubado?
O crescimento econômico do Brasil está ligado às exportações de commodities e aos investimentos em infraestrutura. No momento, nossos mercados mais ativos não estão nos EUA e na UE, mas no Oriente, especialmente na China. E não há sinal de que isso vá mudar no curto prazo. Mas está nítido que o Ocidente político pretende tratar como adversários todos aqueles que não se alinharem a sua Guerra Fria 2.0.
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