Escrevi aqui em 13 de agosto deste ano, mês e meio antes da eleição presidencial: “Há um detalhe delicado nas pesquisas eleitorais: a diferença entre o não voto (brancos, nulos e abstenção) que será verificado na urna e os que, em pesquisas estimuladas, não escolhem nenhum candidato quando a lista é apresentada. No dia da eleição, o não voto tem rondado os 30%, mas nas pesquisas estimuladas esse contingente é apenas um terço disso. Cerca de 20% dos pesquisados indicam candidato na estimulada mas provavelmente não votarão em ninguém”.
Ou nem sairão de casa para votar, deveria ter acrescentado.
Não deu outra. Em todas as pesquisas estimuladas, o não voto em candidatos oscilou entre 5% e 10%, mas na urna as abstenções mais brancos e nulos somaram cerca de 25%. Não seria problema se essa “quebra” fosse proporcionalmente distribuída pelos postulantes. Mas não foi. Entre a pesquisa e a urna, Luiz Inácio Lula da Silva “perdeu” cerca de 10 pontos percentuais das suas intenções de voto (fez 37%), perdeu mais que o triplo de Jair Bolsonaro (fez 33%).
Ou seja, as pesquisas chegaram bem mais perto de acertar o que Bolsonaro teria, e superestimaram fortemente a votação que Lula teria. Exatamente porque o efeito da diferença entre o não voto (em candidatos) nas pesquisas e na eleição esteve muito longe de ser igual para os dois líderes. Como também já se sabia, o eleitor de Bolsonaro estava mais mobilizado e motivado para votar - e também está mais concentrado em grupos sociais que votam mais.
Todo esse prolegômeno é para dizer que a imprudência analítica parece repetir-se neste segundo turno. As pesquisas sugerem uma diferença entre Lula e Bolsonaro rondando os cinco pontos percentuais. Acontece que o não voto volta a cravar o padrão clássico dos levantamentos estimulados, fica entre um terço e um quarto do que será na eleição. E, de novo, a análise corre sério risco ao supor que a “quebra” afetará proporcionalmente os finalistas.
Há, é claro, o argumento de que são apenas dois os concorrentes e por isso o risco de errar é menor. Talvez. Mas e se a abstenção continuar afetando mais Lula que Bolsonaro? Nesse caso, seria prudente dar um desconto na diferença apurada de intenção de voto. Há ensaios para saber que desconto nos aproximará mais do resultado lá adiante. Com o tempo, estaremos mais azeitados no cálculo dos prováveis votantes ("likely voters"), mas por enquanto engatinhamos.
No cenário atual, qualquer desconto na diferença entre Lula e Bolsonaro leva a uma situação de empate técnico. Há dois outros empates visíveis que reforçam essa hipótese: a equalização 1) do ótimo+bom com o péssimo+ruim nas avaliações de governo; e 2) entre as rejeições de Bolsonaro e Lula. Governantes sempre reduzem a rejeição na campanha. Com o Jair demorou, pareceu que não aconteceria, mas está acontecendo.
A eleição entra na última quinzena ensaiando uma zona de empate, e é razoável supor que a decisão se dará na margem. Com a participação luxuosa de São Paulo e Minas Gerais. Mas o que deve decidir é outra variável. A liderança de Lula sobre Bolsonaro vinha durante meses ancorada na diferença de cerca de dez pontos entre a rejeição de um e de outro. Isso virou fumaça. Quem conseguir abrir vantagem nesse quesito nos próximos quinze dias estará com a mão na taça.
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