Como olhar esse paradoxo? Por que a esquerda lidera na majoritária nacional e enfrenta dificuldades nos demais níveis? Entre as possíveis explicações, uma parece imediata: a vantagem numérica de Lula na corrida federal até o momento decorre não propriamente de uma inclinação do eleitorado à esquerda, mas de dois outros fatores: 1) a memória da prosperidade nos governos Lula e, principalmente, 2) a rejeição pessoal a Jair Bolsonaro.
O presidente tenta enfraquecer o primeiro ponto estimulando a recordação das dificuldades econômicas surgidas no período Dilma Rousseff. Mas isso vem tendo um efeito apenas relativo, pois o PT tem operado com sucesso a separação entre os períodos Lula e Dilma. Ela ficou com o passivo, enquanto ele preservou o ativo eleitoral.
O flanco algo vulnerável da maioria numérica lulista é o segundo, a rejeição a Bolsonaro.
Se Bolsonaro conseguir relativizar sua rejeição no juízo do eleitor, e elevar a de Lula, pode fazer até eleitores do petista no primeiro turno concluírem que, apesar de não gostarem da figura do presidente, talvez valha a pena mantê-lo, pois afinal a economia está melhorando. É esse vaso comunicante que pode levar alguns eleitores de Lula no primeiro turno a mudar de lado. É raro e difícil de conseguir, mas vamos lembrar do que aconteceu em 2006.
Na aritmética, Lula está perto de levar a taça, mas eleição está mais para o tênis, ou o vôlei, do que para o futebol. Não basta esperar o tempo passar e administrar a vantagem, você tem de fechar o jogo. O que falta para Lula fechar o jogo? Evitar que Bolsonaro transforme a maioria política do centro para a direita em maioria eleitoral no segundo turno. Não parece tão difícil assim, mas não está tão fácil quanto indicam os números tomados pelo valor de face.
O risco para Bolsonaro está em Ciro e Simone garantirem a Lula uma transferência de votos suficiente para impedir que Bolsonaro transforme a maioria política em maioria eleitoral. O risco para Lula está em a esmagadora maioria política de Bolsonaro nas demais regiões, especialmente no Sudeste, acabar se transformando em uma maioria eleitoral capaz de neutralizar a resiliente vantagem do petista no Nordeste.
Pois no Nordeste Lula parece estar quase no teto, mais que Bolsonaro no Sudeste.
Alianças políticas costumam ser fundamentais em segundo turno, mas é preciso um certo cuidado para não as reduzir a alianças partidárias ou com candidatos derrotados no primeiro turno. Há muito tempo a política deixou de ser monopólio dos partidos.
====================
Publicado na revista Veja de 12 de outubro de 2022, edição nº 2.806
Publicado na revista Veja de 12 de outubro de 2022, edição nº 2.806
Nenhum comentário:
Postar um comentário