sexta-feira, 2 de junho de 2023

O governo minimalista e a negociação programática

Os olhares sobre o andamento do Congresso Nacional e sobre as relações deste com os demais poderes, em particular com o Executivo, frequentemente deixam-se arrastar pelo viés personalista, desprezando um elemento-chave para a análise: os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado são primus inter pares, os primeiros entre seus iguais.

Os ministros da Esplanada não podem fazer o impeachment do presidente da República, mas os deputados e senadores têm o poder de cassar o mandato do comandante da respectiva casa legislativa. Desde a chegada do PT ao governo em 2003, dois chefes da Câmara caíram pela ação dos colegas: Severino Cavalcanti e Eduardo Cunha.

Este último alvejado no ápice do poder, depois de ter comandado a derrubada de uma presidente da República.

Ser o primeiro entre seus iguais faz do poder dos presidentes do Congresso uma função de duas variáveis: 1) quanto os deputados, ou senadores, dependem dele para aumentar a capacidade de projetar seu próprio poder adiante no tempo e 2) ele próprio não se tornar uma ameaça à sobrevivência, ou ao menos à saúde política, da categoria.

Em última instância, os presidentes da Câmara e do Senado precisam dançar conforme a música tocada pela orquestra dos colegas.

É tentador concluir que o problema de Luiz Inácio Lula da Silva com a Câmara dos Deputados é seu presidente, mas isso reflete apenas uma parte, e não tão significativa, da realidade. O nó na articulação política do governo está em dois elementos externos ao próprio governo, um deles trazido da eleição; o outro, do destino que se deu ao “orçamento secreto”.

A eleição trouxe a Brasília um presidente à esquerda e um Congresso bem à direita. Não chega a ser uma novidade. Mas a diferença está em dois fatos. O primeiro: os anteriores governos do PT aconteceram numa época em que a direita estava aprisionada política e ideologicamente pelo campo social-liberal não petista, mas não antagônico ao PT.

Isso começou a acabar em 2013. Acabou em 2018.

O segundo é o destino dado às emendas de relator (RP9). O PT queria eliminar o “orçamento secreto” para reconcentrar poder no presidente da República. Acabou tirando poder dos presidentes da Câmara e do Senado, pois boa parte dos recursos passou às emendas individuais impositivas, portanto de execução obrigatória. Aumentou com isso a independência do parlamentar.

Nenhum presidente de casa legislativa pode se dar ao luxo de virar inimigo do governo. Mas hoje em dia, diante principalmente do segundo fator acima exposto, tem bem menos poder para simplesmente tratorar a base e impor a vontade. E isso vai exigir do Planalto um ajuste na linha tradicional da articulação. Vai exigir que o governo, sem abrir mão da força, enverede pelas negociações programáticas.

E precise ser mais minimalista que maximalista.

Num certo grau, está acontecendo na votação do “arcabouço”.

Sempre haverá, é claro, a tentação de aprofundar o “fechamento informal” do Congresso por meio dos seguidos recursos ao Judiciário. Mas isso traz dois riscos. Um é concentrar ainda mais poder no STF e agregados. O outro é o Legislativo, por continuar aberto e com a faca no pescoço, acabar instado a lutar pela própria sobrevivência. Sun Tzu continua atual.

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