O 8 de janeiro foi um solavanco que mascarou temporariamente o impulso dominante do pós-eleição: a tendência a acomodar e compor. Como relatado aqui depois do fechamento das urnas na segunda rodada em outubro, todas as forças políticas relevantes, e mesmo algumas menos expressivas, saíram da refrega eleitoral com poder significativo, e não interessava a esse consórcio informal desarrumar agora as peças no tabuleiro.
Aí veio o 8 de janeiro, cujos efeitos ainda se fazem sentir, mas com papel cada vez mais acessório no que interessa. Servem para animar e colorir o noticiário e, em certa medida, como demonstração de força estatal da coalizão Planalto-STF para conter a crítica, mas a grande política já ganha velocidade trafegando em trilhos próprios. E aí a correlação de forças da vida real mostra a que veio.
A política brasileira é resiliente. Uns dizem que a eficácia dos nossos freios e contrapesos arrasta os vetores para o centro - e defende assim a estabilidade. Outros notam que esses contrapesos e freios funcionam tão bem, e acabaram tão hipertrofiados, que terminam por travar o mecanismo - e assim impedem qualquer mudança substancial. Cada um que escolha a versão preferida.
A expressão mais visível da tensão entre um Executivo pendente à esquerda e um Congresso de maioria à direita são os arranca-rabos por espaços na Esplanada e verbas orçamentárias, para além da gorda fatia já oferecida compulsoriamente aos parlamentares em decorrência do acordo que pôs fim às emendas de relator.
Mas, enquanto o show prossegue, com as CPIs e as ações policiais no horário nobre, a realidade impõe-se, e as ambições maximalistas de lado a lado são freadas pela ética da responsabilidade, resultando num minimalismo algo consensual.
Maquiagens à parte, as reformas trabalhista e da previdência ficarão onde e como estão, bem como a autonomia do Banco Central, no qual o governo buscará fortalecer suas orientações à medida que vai trocando diretores. E o declínio da inflação, derrubada pela bombada Selic, proporciona ao governo o melhor de dois mundos: pode falar mal do BC enquanto aufere os ganhos políticos da ação do BC sobre os preços.
O falecido teto de gastos foi trazido à vida em nova e sofisticada roupagem, de modo a facilitar a atração dos antes demonizados mercados, E, last but not least, é hora de atenuar os ataques ao agro. Afinal, é dali que tem vindo o combustível do PIB, índice-chave na disputa das narrativas, com sua parceira inseparável, a taxa de emprego/desemprego. Via Caged ou IBGE.
Aí é que está o nó.
O minimalismo programático e a flexibilidade para absorver em espaços de poder os ontem desafetos estabilizam momentaneamente Brasília, mas o desafio é fazer o Brasil arrancar, sem o que qualquer estabilidade do atual arranjo será temporária. O presidente da República parece saber disso, pois, segundo o noticiário, proibiu os ministros de ter novas ideias. Pede ação.
As pesquisas reafirmam a cada rodada: Luiz Inácio Lula da Silva mantém a fatia de mercado eleitoral que o levou à vitória no segundo turno. Mas ainda não consolidou áreas no resto do eleitorado. Para tanto, não haverá outro caminho fora do agarrar a bandeira do desenvolvimento e do emprego/trabalho. Para o PT, o eleitor não petista não precisa passar a gostar do partido, basta que em 2026 não queira arriscar a mudança.
Nesse desafio, o governo enfrenta dois obstáculos, um na esfera subjetiva e outro na objetiva. Na primeira, precisa ver como contornar o antidesenvolvimentismo que tomou conta do pensamento dito de esquerda por aqui, reproduzindo em verde e amarelo um vento planetário. Na segunda, precisa torcer para que o aumento da carga tributária (seu caminho de escolha para “acertar o fiscal”) não freie o investimento privado.
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