sábado, 7 de outubro de 2023

O que pode desandar a maionese

Os últimos movimentos começaram a evidenciar tensões no desenho institucional montado para a governabilidade neste terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Pois, aparentemente, o Congresso Nacional, especialmente o Senado, começa a incomodar-se com o papel subalterno a ele destinado no script.

Na teoria, o equilíbrio estaria garantido pelo “presidencialismo de coalizão com o Judiciário”, com a oposição isolada e acossada nos terrenos político, judicial e informacional. E com um Legislativo anestesiado e domesticado pela liberação de recursos para os parlamentares e suas bases. Nesse desenho, a combinação de coesão e consenso garantiria a paz política ao Executivo.

O que está, no momento, tendendo a desandar a maionese? Em primeiro lugar, um jacobinismo jurídico vindo do Supremo Tribunal Federal e de seu ímpeto de revolucionar a sociedade, sob a bandeira “iluminista”. Há um certo consenso superestrutural favorável a essa “revolução pelo alto”, mas falta-lhe apoio social aritmético.

A correlação aritmética de forças sociais está mais bem expressa no Legislativo. Onde a maioria, disposta do centro para a direita, precisa manter um olho no peixe e outro no gato. Dinheiro para o reduto eleitoral traz votos, mas não se pode correr o risco de perder o discurso, sob a ameaça de ver vicejar alternativas políticas em sua própria base.

O risco cresce na medida em que, e este é o segundo ponto de atenção, a oposição política ao governo Lula mantém força no eleitorado, como mostram todos os levantamentos. Daqui a um ano está marcado novo escrutínio nas prefeituras, o degrau habitual para a eleição geral de dali a dois anos. Não é raro no Brasil o eleitorado surpreender os consensos de cúpula.

O que, e este é o terceiro ponto, costuma depender em grande medida da economia. Mas é preciso algum cuidado, pois a associação pode não ser mecânica, e nem sempre os razoáveis números macroeconômicos são garantia de paz social e política. Brasília hoje parece viver um certo alheamento, um certo descasamento simbólico com o resto do país.

O governo está em posição favorável para equacionar o desafio, mas é preciso ver como lidará com a realidade da correlação de forças. Se vai confiar na premissa de que o desenho atual lhe permite, e ao STF, ampla liberdade programática, ou se vai procurar adaptar os objetivos aos recursos reais disponíveis.

E se vai buscar uma estratégia de acumulação de forças num prazo algo mais longo, acumulação que necessariamente passaria pelas próximas eleições, locais e gerais.

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O Brasil é um país distante, até pela geografia, dos grandes conflitos político-militares pelo planeta. Estes não costumam ter efeito decisivo nas movimentações políticas internas. Mas é bom ficar de olho, visto a deterioração acelerada dos arranjos produzidos no pós-2a. Guerra Mundial e no pós-Guerra Fria.

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