sábado, 30 de setembro de 2023

Decifra-me ou te devoro

Há uma contradição entre os números trazidos por alguns levantamentos estatísticos de opinião e os principais dados objetivos da economia. Nestes, as projeções do Produto Interno Bruto (PIB) melhoram, a taxa de desemprego arrefece, e a renda sobe; naqueles, uma parte do eleitorado de Jair Bolsonaro em 2022 que antes dava um crédito de confiança ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva tende a se deslocar do “regular” para o "ruim+péssimo".

Verdade que de vez em quando os números da macroeconomia não dão conta de dissecar a realidade do povão na luta diária pela sobrevivência. Talvez a retomada da alta nos preços dos combustíveis esteja sacando da conta de popularidade. O certo é que o paradoxo apontado no parágrafo anterior merece uma explicação, e isso exigirá algum detalhamento nas pesquisas. Até porque os efeitos políticos serão inevitáveis se a deterioração persistir e aprofundar-se.

E nem sempre a economia, macro ou micro, explica tudo, apesar do mito do “é a economia, estúpido”. A derrota de Bolsonaro ano passado deveria ajudar a valorizar os aspectos subjetivos na análise. E eles fazem desconfiar de que talvez haja uma assimetria entre como o poder se enxerga e como é visto por parcela crescente da população. Os eventos em torno da posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) deveriam ser objeto relevante desse olhar.

Para o hoje poder e a membrana informativa que o envolve, foi uma celebração da democracia. É possível que fora da bolha a percepção tenha sido diferente, reforçando que hoje Brasília é uma festa sem regras ou controles e que as decisões andam concentradas numa esfera inacessível ao eleitor: o Judiciário. Talvez essa parcela não veja com tanta naturalidade o fato de cada presidente que assume no STF ter, na prática, um “programa de governo”.

Especialmente quando o objetivo é reformar a sociedade de cima para baixo, à força, numa modalidade contemporânea e supostamente sanitizada de “despotismo esclarecido”, caminho encontrado pelo Iluminismo séculos atrás para exercer influência em países europeus autocráticos. Mas no Brasil o eleitor vai à urna a cada dois anos, uma diferença não desprezível. Ainda mais quando a atividade socialmente legitimada de oposição tende a ser canalizada, por falta de outros espaços, para as eleições.

É nessas situações que a eleição costuma trazer mais surpresas.

O aspecto positivo, para o poder: enquanto a massa não negativar nas expectativas econômicas, enquanto o fusível não queimar, dá para ir tocando sem maiores sobressaltos, a não ser os endógenos, resultantes da pura disputa de entre facções do bloco histórico. Em 2013, apenas como exemplo, o fundamento da insatisfação não eram mesmo os vinte centavos, foi o fechamento da boca do jacaré, a inflação tendendo para cima e o PIB para baixo.

Sobre a economia, o patinho feio entre os dados positivos vem sendo a formação bruta de capital fixo. O governo tem um plano para alavancar o investimento público e das estatais, mas precisa encontrar o caminho para estimular o investimento privado, sem o que a conta não fecha. Essa é a variável ainda não desvendada da equação econômica. E a evidência de que o foco em Brasília é aumentar impostos não chega a ser um estímulo para o capital.

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