quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Boas intenções dos juízes pavimentam caminho da crise

Em “A Ditadura Encurralada”, Elio Gaspari conta quando Golbery do Couto e Silva concluiu que, de tanto mandar, a ditadura já não mandava mais nada. O então chefe da Casa Civil do presidente Ernesto Geisel saíra de uma reunião interministerial para decidir o reajuste dos preços cobrados pelos táxis em Curitiba. “Concentramos o poder de tal forma que produzimos um buraco negro, capaz de absorver qualquer energia.”

Gaspari relata também que, na época, o Ministério da Agricultura fez publicar no Diário Oficial o tamanho obrigatório das caixas em que deveriam ser comercializados os pepinos: 495 mmX 230 mm X 355 mm. Quem quisesse vender pepinos em caixas de outros tamanhos precisaria requerer licença à Pasta. Aqueles tempos eram mesmo estranhos.

Voltamos a 2018. Qual é a probabilidade de uma decisão do governo federal, sobre qualquer assunto, encontrar pela frente a antipatia ou a rejeição de pelo menos um juiz, de primeira ou outra Instância, e ser bloqueada? Não sou estatístico, mas deve beirar os 100%. Com a elevação do Judiciário a poder moderador da República, é o que vem acontecendo. Bem, mas diante dos problemas da política é preciso fortalecer o Judiciário, certo?

Se a história passada vale para alguma coisa, é razoável concluir que o excesso de protagonismo dos juízes provavelmente acabará produzindo mais fraqueza que força, empoderando (como se diz hoje em dia) os contravetores. O exercício sábio do poder costuma equilibrar situações em que é usado, com outras em que é economizado. Até porque, no popular, o poder segue a lógica do salame: a cada fatia degustada ele fica um pouco menor.

Claro que também aqui a culpa última é dos políticos. Lá atrás aprovaram uma Constituição árvore de Natal, cheia de princípios genéricos e lotada de mecanismos para proteger os mais variados “direitos adquiridos”. Com o tempo, a coisa só piorou: novos direitos vão sendo acrescentados e, junto com isso, institucionalizou-se a cultura do “perdi uma votação no Congresso, vou recorrer ao Supremo”.

O resultado é uma democracia crescentemente disfuncional, em que o eleitor é chamado de tempos em tempos para escolher governantes que conseguem governar cada vez menos, enquanto quem governa cada vez mais são pessoas que ocupam suas posições por concurso público, “notório saber” ou escolha política indireta. E como não precisam se submeter ao crivo do eleitor, adotam referências de nicho, como a “opinião pública” e as redes sociais.

De vez em quando os jornais fazem pesquisas para saber a opinião dos leitores sobre os mais diversos assuntos. É frequente que o resultado seja oposto ao encontrado quando se ouve uma amostra representativa de toda a população. É legítimo, portanto, suspeitar que essa parceria da “opinião pública” com instâncias de poder “não políticas” vá acabar produzindo uma política mais oligárquica do que a oligárquica política que se pretendeu combater.

Algum tempo atrás, dizia-se que a crise da democracia representativa poderia dar lugar a um sistema mais participativo. Mesmo na teoria, já tinha cheiro de engodo, pois uma característica da democracia dita participativa é que dela participa menos gente que da representativa. Ensaios assim costumam evoluir (sic) para algum tipo de ditadura de grupos de pressão. Essa regra não conhece exceção.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

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