segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

A fisiologia do poder acaba se impondo. Com seus inevitáveis traços tribais

Não acredite na sinceridade do governante quando diz que a existência de uma oposição forte e a alternância são essenciais para as coisas andarem bem. É cascata. Todo líder deseja eliminar os oponentes ou cooptar (uma forma de eliminação), e perpetuar no poder ele e/ou o grupo.

Daí que, por exemplo, a higidez da assim chamada democracia representativa dependa não principalmente dos códigos escritos, mas de algum equilíbrio de forças. Se estiver suficientemente forte, o governante - qualquer um - dará, no popular, uma banana para os tais códigos.

E do que depende essa força? Principalmente da capacidade de impor o medo. Mas a eficácia da ameaça de punição será maior quanto mais apetitoso é o prêmio por se submeter. Por isso, no poder líderes cuidam de recompensar a tribo.

"Política não fisiológica” é um oxímoro. A política é o exercício da fisiologia que mantem vivo o organismo das relações de poder.

Se o primeiro ministério de Luiz Inácio Lula da Silva premiou essencialmente o PT, o gabinete inaugural de Jair Bolsonaro tampouco obedece, para espanto de alguns, a fantasia do “critério técnico”. Leis da natureza são teimosas.

A equipe do governo sustenta-se essencialmente em quatro partidos: o PEM (Partido da Economia de Mercado), o PM (Partido dos Militares), o POC (Partido do Olavo de Carvalho) e o PLJ (Partido da Lava Jato). Siglas que mesmo não registradas no TSE ajudaram a construir o desfecho eleitoral.

Há também tribos não tão contempladas quantitativamente, mas ainda assim essenciais. O PA (Partido do Agronegócio) e o PE (Partido dos Evangélicos). Na extrema periferia do sistema, políticos não “puros” mas sortudos, sobreviventes da caça à política.

As legendas informais têm as características dos seus irmãos formais. Têm chefes, regras internas, programa. E uma disciplina a seguir, e portanto a ser imposta. Se não se investe energia para manter o edifício organizado, a tendência natural é desorganizar.

Uma diferença aparente de Bolsonaro para Lula é que este só tinha, a rigor, um partido para premiar. Mas se a coisa for olhada mais de perto fica claro que não era bem assim. O PT organizou-se como um partido de tendências, e o presidente precisou/decidiu contemplá-las todas.

As melancias vão se ajeitando na carroceria do caminhão conforme os solavancos da estrada. Algumas frutas despedaçam-se, outras caem no caminho. Isso não é problema. Onde está o xis da questão? Na capacidade de o presidente mediar os conflitos para uma resultante boa.

Aí é que mora o perigo. Que solução Jair Bolsonaro providenciará para o conflito entre os evangélicos e o agronegócio (e outros ramos do empresariado) em torno da mudança ou não da embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém? Uma hora o presidente vai ter de resolver.

Como fazer os políticos votar uma reforma da previdência que possa ser vendida ao público como justa e ao mesmo tempo preservar, ao menos em parte, as condições privilegiadas dos segmentos da burocracia estatal decisivos para a eleição do atual presidente da República?

A lista só vai crescer com o passar do tempo. Um dia alguém disse que o presidente dos Estados Unidos talvez se achasse o sujeito mais poderoso da Terra, mas não passava mesmo era de um guarda de trânsito. Organizando um tráfego mais ou menos caótico, mas um guarda de trânsito.

E tudo feito de um jeito de que possa ser explicado.

*

Solavancos são normais, mas a quantidade virou notícia neste início de governo. O primeiro impulso é dizer que as pessoas são incompetentes. Competência e incompetência são parâmetros algo subjetivos. Para objetivar, precisa complementar. Competência para fazer o quê?

Talvez o ruído esteja em outro lugar. Talvez as pessoas tenham sido escaladas não na melhor posição para cada uma delas. Faça você mesmo o teste. Simule um roque (o do xadrez) nas posições no Planalto. É uma simulação interessante. Em alguns casos, divertida.

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