terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Chegou 2019. E que moda voltou? A ideologia

(Ainda em férias, deu na veneta escrever)

O governo não é novo só nas forças que o compõem, mas também e principalmente na moldura do debate político. Que em boa medida deixará de ser só político. Bem-vindos ao admirável mundo novo da ideologia. Sobre ela, vale a tirada de Mark Twain quando erradamente anunciaram a morte dele: “The reports of my death were greatly exaggerated”.

Errará quem ligar o destino imediato do governo Jair Bolsonaro só à economia. O presidente da República cuida de construir em torno de si uma fortaleza ideológica. Quer não apenas "melhorar a vida das pessoas", mas resgatar e promover uma certa identidade nacional, entendida por ele como parte de um ocidente liberal-conservador-cristão-anticomunista.

Um paralelo pode ser buscado na Rússia de Vladimir Putin. Sua popularidade é algo inelástica à flutuação econômica. Ultimamente sofre um pouco com a reforma da previdência. Mas a base política dele atravessa bem este período de sanções desencadeadas pela anexação da Crimeia e pela suposta ingerência na eleição presidencial dos Estados Unidos.

Putin tem convencido os russos de ser o melhor líder para defender a Rússia contra as forças que tentam, diz, pela enésima vez escravizá-la a partir do oeste. Os russos lançaram Mikhail Gorbachev e Boris Yelstin nas lixeiras da história quando perceberam que dissolver a URSS não tinha aplacado o apetite ocidental, principalmente alemão, pelo que está a leste.

Donald Trump é bombardeado 24x7, pela oposição e pela ampla maioria da imprensa, e o funcionamento do sistema político americano depende de algum entendimento entre os dois partidos que contam. Complicado. Trump vem sobrevivendo enquanto a economia vai bem, mas também por manter mobilizada a base que o elegeu para fazer seu país “great again”.

O nacionalismo ajuda a explicar ainda por que Nicolás Maduro se segura, apesar da situação econômica. E a Revolução Cubana não mudou as cores da bandeira nacional de Cuba. São alguns regimes diferentes, sistemas econômicos diferentes. Em comum, o governo apresentar-se como (e convencer de que é) essencial para a defesa da soberania.

Na teoria será fácil para a oposição demolir as credencias nacionalistas de Bolsonaro, dada a afinidade dele com os Estados Unidos e com aliados firmes dos americanos, como Israel. Na prática vai ser mais desafiador, pois na narrativa hegemônica do nacionalismo de direita deste século 21 o dito globalismo faz o papel reservado ao Tio Sam no nacionalismo de esquerda.

E calhou de tanto Estados Unidos quanto Israel serem países que a seu modo resistem ao diktat globalista. Os americanos pelas razões econômicas conhecidas, os israelenses pelas razões de segurança mais conhecidas ainda. Então, aliar-se aos EUA e Israel pode sim ser apresentado como uma linha de resistência à dominação externa.

Mais: as amarras sócio-ambientais à expansão da agropecuária e do resto da economia nacional, restrições apaixonadamente defendidas pela esquerda, já ganharam na nossa psicologia o contorno de um Tratado de Versalhes. No governo, PT e aliados nunca enfrentaram para valer a discussão sobre essas formas de protecionismo contra o Brasil. E a conta chegou.

O nacionalismo de Bolsonaro tem uma ampla agenda comportamental e sócio-ambiental, cujo debate, ele parece supor, lhe garantirá a gordura para atravessar um período de prováveis sacrifícios econômicos. Eis por que não bastará à oposição tratar das justiças ou das injustiças sociais embutidas na plataforma bolsonarista. O papo ficou mais sofisticado.

A disputa política vai adquirir (já adquiriu) contornos ideológicos. Enquanto a academia e os intelectuais ficam no ai-ui do “que absurdo é ser nacionalista em pleno século 21”, Bolsonaro enfuna as velas. Já a oposição, quando finalmente superar as dores da derrota eleitoral, precisará cuidar de convencer que a esquerda é mais patriótica que a direita.

Como aliás foi a disputa ideológica aqui ao longo de todo o século 20. O que parecia ter acabado, mas não acabou.

*

“Marxismo cultural” é expressão que vai continuar causando ampla polêmica. E qualquer um pode participar da peleja, mesmo sem ter a menor ideia do que é marxismo, muito menos o “cultural”. Na política e no futebol, você não precisa entender do assunto para ter opinião.

Graciliano Ramos, Candido Portinari, Tarsila do Amaral, Jorge Amado, Oduvaldo Vianna (pai e filho), Glauber Rocha, Dias Gomes, Paulinho da Viola, João Saldanha. Todos um dia passaram pelo Partido Comunista. Era um marxismo cultural (sem aspas) de primeira, e genuinamente nacional.

Ótimo 2019 a todos.

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