País é atrasado em pontos essenciais
O encontro de Davos este ano vai mais ou menos. O deslumbramento com a globalização anda em baixa. Nesse circo, somos um país que anda no arame: pelas declarações oficiais, o Brasil quer uma globalização sem globalismo, inserir o país na economia globalizada mas manter aqui dentro o centro das decisões. Espremido o discurso, é isso que fica.
Se o debate político e econômico não estivesse tão contaminado pela cegueira nascida do ódio –e há razões para estar assim–, alguém eventualmente poderia notar que a “globalização sem globalismo” da direita equivale exatamente à “inserção soberana” pregada pela esquerda. E que, por isso, ambas são ditas “ultrapassadas” pelos liberais de raiz.
Um problema pelo mundo é os liberais-raiz andarem meio sem prestígio depois da crise de 2008-09, a que ainda não acabou. Exuberante mesmo desde então só a concentração de renda. A novidade mais recente é a confirmação da desaceleração chinesa. Estava previsto, mas nem por isso machuca menos quem, como nós, vive de exportar primários e semi.
No Brasil a luta atual de ideias tem uma peculiaridade, pois o desastre da economia no último governo petista abriu a janela de oportunidade ao liberalismo. Nunca houve ambiente tão propício à difusão dele, o que se reflete na imprensa e mostrou vigor na eleição do ano passado. O Brasil decidiu dar uma chance para o capital dizer a que veio. Uma novidade.
Se na mitologia econômica de uns Zeus é planejamento e ativismo estatal, para outros basta deixar dinheiro na mão (ou no caixa) dos empresários e eles produzirão prosperidade. Está empiricamente demonstrado que o segredo é uma combinação ótima entre os 2 pólos, mas –de novo– pedir razão no atual ambiente político é perda de tempo.
O governo Bolsonaro fala, portanto, ao coração de quem 1) vê a pátria como última proteção contra o poder do capitalismo global de dissolver as fronteiras e as relações sociais estabelecidas e/ou 2) vê no capital a força capaz de libertar o país da sina de baixo crescimento, serviços públicos medíocres, impostos injustos e dos demais problemas nacionais crônicos.
São vetores contraditórios mas não necessariamente antagônicos. Há 2 casos de sucesso de países que conseguiram inserção global mantendo-se soberanos: os Estados Unidos da América (do Norte) e a República Popular da China. Aliás estão ambos agora em desconforto mútuo pois um descobriu que mantida a ordem das coisas o outro vai tomar a liderança.
O que há em comum entre China e EUA? Entre outros aspectos, 1) decidiram que enriquecer não é pecado, 2) fizeram a reforma agrária, base para um mercado interno pujante, 3) colocaram foco total na industrialização e 4) construíram sociedades em que a educação universal de boa qualidade ocupa posição estratégica, e daí podem falar em “meritocracia”.
Avalie você mesmo o estágio em que nos encontramos. Somos uma sociedade em que 1) o lucro continua sendo pecado, 2) a questão social no campo volta a ser caso de polícia, 3) o pensamento econômico dominante diz que indústria é bobagem e 4) educação é um apartheid social: escolas são bem melhores para os ricos e a classe média do que para os pobres.
Por um instante, leitor ou leitora, esqueça da guerrilha e do #blablabla nas redes sociais, e liste você também os itens que acha importantes para o Brasil passar a se desenvolver de maneira soberana e inserida nos mercados globais. Verá que estamos atrasados em todos os pontos essenciais. Enquanto isso, segue a mesmerização das massas, uma especialidade.
É a gloriosa obra do subdesenvolvimento.
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Publicado originalmente em www.poder360.com.br
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