sábado, 29 de janeiro de 2022

A eleição e o enigma dos ovos

Há dois movimentos políticos em marcha. O primeiro são os (pré-) candidatos na labuta para ganhar musculatura eleitoral daqui até outubro. Caminham em três frentes. A primeira concentra-se nas alianças; a segunda, na elaboração de uma linha que agrade (ou não desagrade tanto) à elite, especialmente no front econômico-financeiro; e a terceira é a busca de um discurso que encaixe no anseio popular.

Poucos têm a maestria de combinar essas três variáveis sem criar um monstrengo desconjuntado.

É a rotina das eleições, até aqui nada de novo. Como já dito, Luiz Inácio Lula da Silva opera com a memória dos governos dele e com o antibolsonarismo. Jair Bolsonaro, com as possibilidades de ação governamental, o antipetismo e também a memória dos problemas do período petista. Os demais enfrentam o desafio do cesto de caranguejos: evitar que outro da “terceira via” escape para fora do cesto.

Há um segundo movimento, visível porém implícito. É o das “instituições funcionando” para preservar o próprio poder, nutrido desde 2015 no caldo de cultura do enfraquecimento presidencial. Começou com Dilma Rousseff e seu complicado segundo mandato, seguiu com Michel Temer e sua desidratação progressiva e atinge o ápice agora com Jair Bolsonaro e suas dificuldades, especialmente na pandemia.

Qual será o poder do próximo presidente (inclusive e principalmente se for o atual) sobre o orçamento federal? Bastante relativo. O comando das despesas governamentais é hoje prerrogativa do Congresso Nacional, fenômeno sintetizado e simbolizado na dimensão adquirida pelas emendas parlamentares. Mas não só. Nunca o Legislativo teve tanto poder sobre o dinheiro que em teoria deveria ser decidido pelo Executivo.

Como será a relação de um presidente “zerado” (ou quase) pela urna, empurrado a Brasília com uns sessenta milhões de votos, tendo diante dele um Congresso viciado no ultraprotagonismo orçamentário? E como será a relação com um Judiciário que tomou o Poder Moderador, formalmente abolido com a República mas informalmente exercido até outro dia pelo Executivo? Quem apostar em tensão e ranger de dentes não vai errar.

Mesmo que diante do distinto público, pelo menos no começo, todos procurem manter as aparências.

No Parlamento, ensaia-se enfrentar o desafio desenterrando, pela enésima vez, a tese parlamentarista, agora maquiada de “semipresidencialismo”. Aliás é o que se passa desde a formação da Nova República. Procura-se resolver o problema amputando, ou ao menos lipoaspirando, a soberania popular. Bate-se continência para a memória das “diretas já” e conspira-se para enterrar o que frutificou dela.

A ideia do parlamentarismo foi derrotada em dois plebiscitos, mas a esperteza de batizar como “semipresidencialismo” embute o truque de dizer “não, não estamos desrespeitando o resultado da consulta”.

Já o Judiciário testa os limites de seu ativismo, e ainda parece longe de enfrentar alguma resistência significativa. Transformou-se no chancelador em última instância de todo e qualquer ato governamental. Como isso será revertido?

O exemplo não é novo, mas vale repetir: sabe-se como transformar o ovo cru em omelete, mas ninguém ainda descobriu como percorrer o caminho inverso.

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