As possibilidades eleitorais de Jair Bolsonaro estão bastante vinculadas à sensibilidade popular sobre a economia. Qual é risco principal para o presidente? Um repique inflacionário provocado pelos efeitos globais da crise russo-ucraniana. Isso levaria o Banco Central a um reaperto na política monetária e chegaríamos às eleições com a atividade em provável retração ou estagnação.
E com a possibilidade real de uma combinação momentânea de
pasmaceira econômica e forte pressão nos preços. Um cenário ideal para quem
está na oposição e representa a mudança.
Seria menos complicado para Bolsonaro se ele tivesse gordura
eleitoral para queimar. Não é o caso. Hoje, quem pode se dar ao luxo é Luiz
Inácio Lula da Silva, cujo principal oxigênio é o “no tempo dele eu vivia
melhor”. O que tampouco teria o mesmo impacto caso o atual presidente estivesse
mais bem apetrechado para argumentar que enfrentou, e ainda vem enfrentando,
mais de dois anos de pandemia e agora uma guerra na Europa com repercussão
planetária.
Perto disso a crise de 2008/09 foi, agora sim, uma
marolinha.
Bolsonaro está até o momento contido no eleitorado mais
fiel, suficiente para levá-lo ao segundo turno mas não para ganhar. Um eleitor
oscilante, que certo dia votou no PT e em 2018 mudou de ideia, anda aparentemente
tentado a fazer o caminho de volta. A dúvida é o que levaria esse voto a
reverter a tendência momentânea e reafirmar a opção adotada em 2018. É a
pergunta, como se diz, de um milhão.
Se Bolsonaro deixar a pressão dos preços dos combustíveis correr
livre, com a óbvia repercussão inflacionária, estará concretando a estrada para
Lula. Verdade que as pesquisas mostram um eleitor dividido quanto à
responsabilidade pela alta na gasolina e no diesel, mas não importa: governos
existem para resolver problemas, os criados por ele próprio ou por terceiros.
Se o time tem dificuldades, a culpa será sempre do treinador.
Vamos ver como o presidente se sai. Lula continua tentando
abocanhar ex-adversários e trazer de volta quem um dia foi aliado e deixou de
ser. A favor da tática, as dificuldades do incumbente. Mas, como este não está
fora da disputa e ainda por cima detém o governo, não é tão simples assim. Os
profissionais da política, inclusive o próprio Lula, têm plena consciência de
um jogo ainda sendo jogado.
E os demais? Continuam presos à armadilha de acreditar que
há um largo contingente de votos “nem Lula, nem Bolsonaro”. Todas as pesquisas
mostram que essa fatia gira em torno de 15%, mas quando a fé é forte os fatos
objetivos enfrentam alguma dificuldade para prevalecer. O resultado prático é
que a terceira via, ao insistir na tática, deixa aberto para o presidente o
caminho de apresentar-se como o único e autêntico “anti-Lula”.
Pois a vaga em disputa para ir ao segundo turno não é a do
“nem-nem”, é a dos que não querem a volta do ex-presidente. A chance de um
terceiro está em provar que se sairá melhor que Bolsonaro no mano a mano com
Lula.
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Publicado na revista Veja de 30 de março de 2022, edição nº 2.782
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