sábado, 5 de novembro de 2022

Competição e colaboração

O balanço das eleições deste ano reforça uma característica já vista em outras ocasiões: todas as forças políticas relevantes saem das urnas com poder e expectativa de poder. Para começar, o PT tem o governo federal, seus governadores mostraram força, reelegeram-se ou elegeram o sucessor, e o candidato a governador em São Paulo conseguiu um desempenho eleitoral inédito, no aspecto positivo.

Mas a direita também fez boa colheita, em suas versões mais na ponta ou menos, ao varrer o Sul, o Sudeste (exceção foi o Espírito Santo) e o Centro-Oeste e dividir o Norte. Manteve-se ou implantou-se em posições de força e, a exemplo da esquerda, plantou nomes em condições de adquirir projeção nacional. Mesmo o dito centro, enfraquecido nas eleições parlamentares, acabou saindo da safra de 2022 com boas posições nos Executivos.

A conclusão é imediata: se persiste um potencial de forte competição, nascido da evidente fratura político-ideológica no tecido social, não se deve subestimar o potencial de colaboração. Pois todo mundo terá de mostrar serviço, e todo mundo tem algo, ou muito, a perder. Vem daí o motivo destes primeiros dias estarem pontilhados de declarações apaziguatórias. As exceções? Como diz o ditado, confirmam a regra.

Os focos de competição exacerbada vêm de onde se deu a forte corrosão de poder, ainda que a eleição não tenha propriamente corroído a expectativa de poder dos removidos do Planalto. Vêm também, no Parlamento, dos núcleos que baseiam sua força eleitoral na exploração máxima da polarização ideológica, e é natural que busquem cultivar esse ambiente, já de olho na reprodução e ampliação de seu poder daqui a quatro anos.

Mas esses núcleos, se têm força para provocar alarido e sobressaltos, não encontram no momento espaço para interferir decisivamente no andamento da política, que tateia atrás de alguma normalização. Do que depende a consolidação disso? De Luiz Inácio Lula da Silva e seu governo conseguirem combinar alguma fidelidade à narrativa de campanha, para evitar a acusação de estelionato, e ao mesmo tempo liderarem a acomodação.

O governo eleito dá seus primeiros passos cercado pela tradicional leniência. Os arrufos e espasmos do bolsonarismo, nos palácios e nas ruas, oferecem aos vencedores de outubro o sempre útil fantasma, que, se agitado com competência, traz com ele a imposição de apoiar o oficialismo para evitar retrocessos. Em resumo: o potencial de acomodação mais a tensão pós-eleitoral provocada pelos removidos do poder oferece ao PT um ecossistema quase ideal.

Que pode ser notado no debate em torno das providências para autorizar o governo vindouro a estourar o teto de gastos para cumprir as promessas eleitorais. A compreensão vem até dos setores e personalidades que tradicionalmente carregam o estandarte da responsabilidade fiscal como Constantinos modernos brandindo o in hoc signo vinces (“sob este signo vencerás”). Lula terá de ser muito incompetente (o que nunca foi) para não surfar bem na onda.

E depois, quando precisar mandar apertar os cintos? Bem, cada dia com sua agonia. O depois vem depois.

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