segunda-feira, 17 de abril de 2017

Nova República colapsa em câmera lenta e não há saída visível, por enquanto

Diz a teoria que rupturas políticas costumam acontecer quando as elites não conseguem mais mandar como antes, por causa principalmente do esgotamento de sua capacidade hegemônica e irreversíveis desarranjos internos, e as massas não conseguem mais viver como antes, por causa da deterioração insuportável das condições materiais de existência.

A teoria funcionou bastante bem no Brasil do século 20. A crise de 29 e o continuísmo da "república do café com leite" deram em 1930. A inflação pós-jusceliniana e as fraturas partidárias para a sucessão de Jango deram em 1964. A estagflação de Geisel-Figueiredo e a aderência desesperada do "grupo palaciano" ao poder deram na Nova República.

Agora, o Brasil assiste ao colapso da Nova República. O diagnóstico pode parecer extremo, mas é isto mesmo: implodem o arcabouço político-institucional inscrito na Constituição de 1988 e o sistema econômico por ela consolidado, com o Estado brasileiro no papel de vaca leiteira supostamente inesgotável para os de baixo e, principalmente, os de cima.

Mas o colapso é em câmera lenta, pois os ajustes ortodoxos da dupla Levy-Meireles conseguiram produzir uma recessão que, finalmente, faz a inflação mergulhar. Evita-se assim uma degradação da renda capaz de empurrar o homem e a mulher comuns para a ação direta contra o poder enfraquecido. Pois, na política, por muito menos a rua já explodiu no passado.

Outro amortecedor é o amplo espectro do déficit de legitimidade dos políticos. Não sobrou quase ninguém com relevância e massa crítica para chamar as multidões à rua contra o que aí está. No máximo, mobiliza-se para resistir às reformas austero-liberais que o governo Temer precisa passar no Congresso Nacional para ter razão de existir e assim sobreviver até 2018.

E é curioso notar que o déficit dramático de legitimidade do Executivo e do Legislativo não impede a opinião pública stricto sensu de exigir que estes mesmos poderes imponham ao país reformas previdenciária e trabalhista amplamente rejeitadas pela população. Na política, os rugidos pela ética devem ser sempre filtrados para efeito de análise.

Aliás, este Congresso votar essas coisas é uma fagulha com potencial para colocar fogo no mato seco, já que Brasília começa a entrar no período anual de estiagem. Mas o incêndio, por enquanto, é só possibilidade teórica. O pensamento convencional aponta para o outro lado: a pressão das elites sobre o Congresso debilitado e a apatia popular abrem caminho para a aprovação das reformas.

Esse é o diagnóstico de curto prazo. No médio e longo prazos, o colapso da Nova República imporá a busca de uma nova institucionalidade. O que exigirá um novo processo constituinte. O assunto já pipoca. O Supremo Tribunal Federal já opera, em escala crescente, como assembleia constituinte informal.

O desejável será que isso aconteça de modo democrático, mas o caminho não parece ser consensual. Na direita, nota-se mais uma vez a preferência pela ascensão de um caudilho liberal. Na esquerda, além do sofrimento e desgaste de seus símbolos, percebe-se a preferência por limitar a luta política à resistência econômica e deixar a disputa pelo poder para 2018.

A queda de uns pelo caudilhismo liberal e de outros pelo economicismo que faça reinstalar Lula, ou um candidato de Lula, na presidência, tudo a ser decidido nas urnas de 2018, explica a tendência de Temer cumprir o mandato até o final. Vetores poderosíssimos podem produzir situações de equilíbrio, quando opostos.

Produzem equilíbrio momentâneo, mas não estabilidade duradoura. É ilusão acreditar que um presidente saído das urnas de 2018 chegue no ano seguinte em Brasília com força para impor ao país, com um murro na mesa, o edifício que vai se erguer sobre os escombros da Nova República. Pois aqui encontrará, fortes, os que ocuparam o vazio de poder entre 2013 e 2018.

Daí que, na ausência de uma transição política até lá, a verdadeira crise já esteja contratada para 2019. Nas circunstâncias que se desenham, é improvável que os perdedores entendam ter sido derrotados numa disputa justa. E a falta de um processo constitucional mutuamente aceito, ao contrário de 1946 e 1987-88, será mais lenha na fogueira.

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O impacto é grande, mas ainda se trata de uma empresa, ainda que líder, e de um setor. A erupção das delações da Odebrecht não é o começo do fim da Lava-Jato. Provavelmente não seja nem o fim do começo. Há muita torcida para que acabe, mas falta quem entre em campo para jogar o jogo.

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