Netflix: ‘The Vietnam War’ é imperdível
É antídoto contra a burrice pandêmica
Vale muito ver a série de 10 episódios sobre a Guerra do Vietnã de autoria de Ken Burns, no Netflix. A obra dele sobre a participação americana na Segunda Guerra Mundial, também disponível no serviço de streaming, já era boa. Esta sobre o conflito no Sudeste Asiático é melhor. Uma aula detalhada de história dos Estados Unidos nos anos 1960 e 1970 do século 20.
A abordagem de Burns é pacifista, mas a série é honesta. Quem viveu aquela época vai concordar. Os diversos pontos de vista estão contemplados. O espectador consegue concluir baseado em fatos. Coisa difícil de achar hoje em dia. E uma conclusão é Richard Nixon ter sido um grande presidente, bem melhor que John Kennedy e Lyndon Johnson.
Pelo menos sob o parâmetro da política externa e do episódio mais importante do período: a guerra contra a guerrilha vietcongue do Vietnã do Sul e as forças regulares do Vietnã do Norte. O republicano Nixon deu um jeito de tirar o país de uma guerra “inganhável”, em que os americanos foram metidos pelos democratas Kennedy e Johnson.
Além disso, Nixon restabeleceu relações com a China, rompidas desde a chegada dos comunistas ao poder. E fechou o primeiro tratado de limitação de armas nucleares com a União Soviética. Sim, Nixon prosseguiu a política de desestabilizar e derrubar governos de esquerda mundo afora, mas nisso ele e os antecessores rezaram pela mesma cartilha.
A série de Burns faz relembrar um dos muitos detalhes macabros da Guerra do Vietnã, talvez o mais macabro deles. Num certo momento, a estratégia do comandante das tropas americanas, William Westmoreland, passou a ser matar guerrilheiros vietcongues em ritmo maior que a velocidade de recrutamento da guerrilha. O objetivo era produzir um impasse e forçar uma negociação de paz.
Lógico que a coisa colocada assim virou uma matança. Para “bater a meta”, chegou uma hora em que se começaram a matar civis em larga escala. A história é conhecida: isso ajudou a engrossar a repulsa dos americanos e do resto do mundo, e no final faltou apoio político para a estratégia militar ser concluída até o efetivo sucesso do plano.
Johnson, o genocida, jamais foi alvo de um processo de impeachment. Deixou o governo em 1968 e foi morrer alguns anos depois na paz do seu rancho texano. E faça-se justiça: Johnson não foi só um genocida. Foi também o presidente que institucionalizou a conquista dos direitos civis pelos negros, apesar e contra a forte resistência no interior de seu próprio partido.
O presidente mais lembrado por iniciativas legais contra a escravidão dos afro-americanos é o republicano Abraham Lincoln. E o mais vistoso símbolo da resistência final dos brancos do Sul à igualdade dos negros foi o democrata George Wallace. A história e a política costumam ser complexas e contraditórias, verdade difícil de aceitar na nossa era de burrice pandêmica da “militância das redes sociais”.
Johnson nunca foi ameaçado de impeachment apesar de genocida, e de isso ser sabido em tempo real. Nixon renunciou pois seria deposto por tentar encobrir a espionagem de adversários por apaniguados dele. Watergate fez a fama do Washington Post e da dupla de jornalistas que tocou o assunto no jornal. Os Papéis do Pentágono não tiveram maior efeito jurídico-criminal.
Os episódios da série de Burns sobre a Guerra do Vietnã são longos, quase duas horas cada, às vezes arrastados. Mas valem cada segundo. Especialmente em tempos nos quais a esquerda mundo afora parece capturada pela agenda do Partido Democrata americano e faz eco ingênuo ao belicismo antirrusso. E faz pouco caso da possibilidade de uma paz honrosa na Coreia.
A esquerda já teve faróis melhores.
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Publicado originalmente no www.poder360.com.br
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