Quando se escreve “enfrentar”, não se leia “resolver”. O que as forças bolsonaristas na sociedade, especialmente nas camadas mais bem postas, esperam não é um milagre de Natal nas finanças públicas, mas a indicação clara de o trem ter saído da estação. O andamento da reforma da previdência social será o sinal de que a composição finalmente passou a rodar.
Qualquer governo mexeria na previdência, e este vai mexer. Ela tem dois problemas fundamentais: 1) o aumento da expectativa de vida e 2) o paraíso previdenciário particular dos servidores públicos, com destaque para as chamadas “carreiras de Estado”. Dois vespeiros. O primeiro é bolir com o povão. O segundo é cutucar um núcleo duro do bolsonarismo.
O ideal para Bolsonaro seria resolver isso antes de receber a faixa. Uma reforma da previdência que ao menos clareasse o caminho para os próximos anos. O problema menor: associar-se ao impopular Temer na empreitada. O risco maior: e se tentar e perder? Um pavor de governos novos é nascerem velhos. O presidente certamente não vai, no popular, querer pagar o mico.
Então a tática repousará na aritmética. Para o governo eleito, trata-se apenas de contar votos. E governos novinhos em folha têm gás para juntar gente no Congresso Nacional. A moeda-padrão das negociações políticas ainda não se desvalorizou. A promessa e o compromisso ainda estão com a credibilidade intacta. Ainda não foram corroídos pela inflação da vida real.
Além do mais, o governo tem um amplo estoque potencial de votos congressuais maduros, apenas esperando pela colheita. O PSL exibe só meia centena de deputados, mas o bolsonarismo lato sensu pode facilmente reivindicar três quintos da Câmara. E conta também com a boa vontade de um pedaço da oposição ansioso para exibir uma atitude, digamos assim, construtiva.
O projeto político de reconstrução do holograma centrista está nítido: “apoio crítico” ao governo na agenda liberalizante e oposição cerrada nas políticas anti-identitárias, nas iniciativas ambientais e nas medidas ultrarrepressivas para combater a criminalidade. É o programa de um bloco que tentará se apresentar moderado, distinto da oposição de esquerda.
Esta também anda dividida, dada a disposição de uma parte de buscar caminhos que a libertem da subordinação ao PT. Por enquanto, a iniciativa parece ter alguma musculatura parlamentar. Um problema dela é o PT ter conseguido segurar seus votos na campanha eleitoral. Outro problema é como fazer “oposição construtiva de esquerda” a um governo Bolsonaro.
São elucubrações. Os fatos da vida costumam ser um santo remédio. Quando janeiro chegar, as forças políticas e sociais precisarão escolher entre duas opções: apoiar o governo ou opor-se a ele. O “centro” precisará de remédio para urticária pois se descobrirá colado ao bolsonarismo. E a esquerda não petista acordará do porre deitada na cama ao lado do PT.
E não é bom depender da estupidez alheia. É ilusão acreditar que o bolsonarismo vai assistir quieto à articulação de uma direita aguada e palatável a quem, tendo ajudado a vencer o PT, precisa agora de algo mais moderno para sair à rua. E é, desculpem, burrice achar que PT e PSOL vão se deixar isolar sem explorar politicamente o colaboracionismo dos rivais.
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Depois de um passo à frente, dois passos atrás. Nesta primavera (ou outono, conforme a preferência) de “rearenização”, é curioso notar o ressurgimento também da velha diferença entre oposição “autêntica” e “moderada". Os adeptos desta última lembram sempre que quem brigou mesmo foram os primeiros mas quem levou no final, com Tancredo, foram os segundos. Será?
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