Um exercício preliminar na análise deste momento é procurar
quando e por que aconteceu o ponto de inflexão que transformou o equilíbrio
estável em instável. Um objeto está em equilíbrio estável quando qualquer
pequena perturbação nele tende a fazê-lo retornar para a situação de
equilíbrio. E o instável é quando mesmo uma pequena perturbação tem o poder de
desorganizar a situação.
Um exemplo clássico é o da bolinha numa bacia. Se a bacia
está de boca para cima e a bolinha sofre um pequeno deslocamento, ela tende a
retornar para o centro. Mas se a bacia está de boca para baixo e a bolinha é
deslocada, ela tende a rolar e ir embora.
O governo Jair Bolsonaro atravessou seu primeiro período em
equilíbrio estável por duas razões principais: maioria parlamentar sólida para
o essencial de seu programa econômico -e para evitar um impeachment- e
manutenção da expectativa de poder, da capacidade de reeleger-se. Quando,
devido principalmente à condução na pandemia, em particular na vacinação, o
segundo pilar entrou em corrosão, o primeiro também passou a sofrer.
Todos os sinais são de termos ingressado num período de
equilíbrio instável. No qual aumenta a possibilidade de os desejos dos
personagens serem tragados pelas circunstâncias. Um erro habitual na política é
fazer os cálculos baseando-se só nos fatores da racionalidade. Quando a
situação passa a ser de equilíbrio instável, aumenta bem o poder das
circunstâncias. Em vez de os personagens conduzirem, tendem a ser conduzidos.
Na linguagem militar, a situação passa a ser de perda da
capacidade de iniciativa.
E são conduzidos, no mais das vezes, pelas personas que
criaram para si mesmos. Como é que o presidente da República vai poder, a certa
hora, dizer que aceita qualquer resultado na eleição do ano que vem, com a urna
eletrônica? Pois é disso que se trata. A única saída pacífica possível para o
atual impasse é todos estarem de acordo em que todos disputem a eleição e quem
ganhar, pelo atual sistema de coleta de votos, toma posse e governa.
O problema é que quase ninguém está confortável com assumir
esse tipo de compromisso. Daí o superaquecimento conjuntural. Para baixar a
temperatura, seria necessário um freio de arrumação. Faltam duas coisas para
isso. Como dito acima, falta que todos aceitem não apenas o sistema de regras
eleitorais, mas também os prováveis desfechos. E talvez falte alguém com
liderança para fiar o acordo coletivo.
Entrementes, vamos de soluço em soluço, subindo um degrau de
cada vez. 7 de setembro será um dia importante, em que Bolsonaro imagina reunir
gente suficiente para dar uma demonstração de força. Mas, mesmo supondo que
tudo corra pacificamente no feriado, e isso não é tão provável assim, e depois?
Qual é a estratégia de saída de cada ator? Um dado decisivo ainda não suficientemente claro.
Pois nem a oposição tem força para fazer
o impeachment, ou mesmo para a Câmara afastar o presidente em caso de denúncia
por crime comum, nem Bolsonaro tem força, mantido íntegro o ordenamento
jurídico, para impor os desejos dele sobre como vai acontecer a eleição. Um nó
górdio à espera de que alguém o corte.
Excelente análise. Alguma esperança recai sobre as manifestações do dia 12/09, é torcer para que sejam grandes e suficiente para tirar o congresso do imobilismo.
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