Todo sistema político estável supõe mecanismos eficazes de disciplinamento do partido, ou partidos, que sustentam o governo. E a regra essencial é o detentor principal de poder deter também grande influência sobre as possibilidades de reprodução do poder de quem lhe dá sustentação. De vez em quando isso se dá com o predomínio da força. No AI-5, o presidente da República podia cassar mandatos. Era sem dúvida um forte instrumento de persuasão.
Em modelos baseados no voto distrital, parlamentaristas ou presidencialistas,
o detentor de mandato legislativo costuma equilibrar-se entre a fidelidade ao
líder, aos militantes partidários do distrito e ao eleitorado dali. Um exemplo
didático são os Estados Unidos. Se o deputado ou senador não dosar bem essas
variáveis, corre risco real de ser, inclusive, derrotado nas primárias partidárias
da eleição seguinte, e aí não poder nem disputar a recondução.
De vez em quando fica complicado, porque o presidente da
República (ou o primeiro-ministro no parlamentarismo) pode querer muito uma
coisa que os eleitores do distrito não querem. Um exemplo do momento são governantes
que buscam conter fortemente o uso de carvão, no âmbito das iniciativas contra
as mudanças climáticas, mas enfrentam a resistência de correligionários eleitos
por distritos cuja economia se baseia exatamente nisso.
Nenhum mecanismo de disciplinamento é infalível, mas há os
melhores e os piores. Nesse ponto, o Brasil parece esmerar-se na construção de
um sistema político em que o Executivo terminará por não dispor de nenhum mecanismo ao mesmo tempo eficiente e aceitável para disciplinar a maioria do
Congresso Nacional. É disso também que nasce o crescente e pelo visto irrefreável
protagonismo do Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal.
Um mecanismo de disciplinamento provado na vida prática é distribuir
ministérios aos partidos que apoiam o governo e exigir desses partidos
fidelidade nas votações do Congresso. Mas as décadas recentes assistiram à
degradação e criminalização dessa prática, que acabou plasmada na consciência coletiva
como sinônimo de corrupção. Interessa menos aqui discutir se essa visão é “justa”.
Para a política, o que vale é a maneira como a opinião média a enxerga.
E há a agravante do grande número de partidos a satisfazer.
Outro mecanismo é garantir a prevalência dos parlamentares governistas
na execução de recursos orçamentários destinados a suas bases eleitorais. Isso
também vem sendo crescentemente mal visto, pelas mesmas razões do “loteamento”
de cargos. Mas há aí um complicador adicional: o orçamento impositivo,
que obriga o governo a pagar parte das emendas parlamentares e na prática dificulta deixar de executar despesas introduzidas no
orçamento por quem não lhe dá apoio.
O experimento político brasileiro vem tentando criar um
modelo único no mundo, em que se criminaliza oferecer ao parlamentar algum mecanismo de
compensação que o faça votar em medidas impopulares, ou simplesmente condenadas
pela chamada opinião pública. E governos precisam o tempo todo adotar medidas
assim. O resultado: 1) teratomas como os bilhões de reais destinados às “emendas
de relator” e 2) a ingovernabilidade que mesmo assim avança.
Há alguns caminhos para sair da sinuca. Um, que na teoria
resolveria, seria implantar o voto distrital, puro ou misto, em um ou dois
turnos, limitar drasticamente o número de partidos por meio de uma duríssima
cláusula de desempenho e tornar obrigatórias as primárias partidárias para
indicação de candidatos a todos os cargos. Ah, sim: e impor que partidos só
poderão lançar candidatos ou participar em coligação onde tiverem feito
convenção.
Há outros, mas nenhum indolor. Todos, para ser aplicados
aqui, demandariam uma ruptura com o atual desenho, trazido pelos constituintes
de 1988.
Que tal voto distrital com financiamento distrital, com cláusulas de barreira que permitissem dois partidos,e que esses partidos fossem escolhidos por plebiscito com programas políticos rígidos.
ResponderExcluirLista fechada?
ResponderExcluirDetalhe: não ia dar certo. O eleitor continuaria arranjando um jeito de eleger corruptos, e ignorar solenemente políticas públicas que despreza.
ResponderExcluirDe fato, uma boa alternativa para disciplinar o atual e complicado sistema político brasileiro seria justamente a limitação do número de partidos por meio de cláusula de desempenho e a instituição do voto distrital.
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