Pergunte a qualquer especialista digno do nome se a pandemia acabou. E se chegou a hora do liberou geral. Duvido que algum responda “sim” e “sim”. E por que não se nota uma grita generalizada contra a reabertura ampla, geral e irrestrita das atividades? Pois o patamar de mortes/dia por Covid-19 ainda bate as centenas.
A explicação está mais no âmbito da ciência política que da
infectologia, da imunologia ou da epidemiologia. O liberou geral decorre da
crescente péssima relação custo/benefício, para os políticos, de continuar
tentando impor as antes celebradas medidas de distanciamento social para
reduzir a circulação do SARS-CoV-2.
A real é que o pessoal se cansou e decidiu virar a página. E
os políticos, de olho nas urnas do ano que vem, resolveram que não é o caso de
dar murro em ponta de faca. Fim.
Poderiam, pelo menos, reforçar a necessidade do uso de
máscaras quando a circulação volta ao normal. Mas nem isso.
É verdade que chegamos a bons níveis de vacinação e estamos rondando o número mágico de 60% de vacinados com duas doses, ou única. Mas outros países bem vacinados vêm assistindo a repiques de casos e mortes por novas
variantes, e o conceito de “completamente vacinado” sofre mutações em velocidade
viral.
A aplicação de doses de reforço espalha-se pelo planeta. Ou
melhor, pela parte rica do planeta. Os países pobres continuam comendo poeira.
Não chega a ser novidade.
Sim, não parece, mas o Brasil ainda convive com milhares de
casos e centenas de mortes no registro diário. Uma atenuante, dirão, é os
números estarem declinando já faz algum tempo. Eles vêm caindo desde
março/abril, quando a taxa de vacinados ainda era pequena. Eis outro “por
quê?” à espera de resposta.
E outra: se estamos abrindo agora porque os números estão caindo,
por que não abrimos antes?
Uma boa hipótese para o declínio de casos e mortes desde
março/abril é a variante Gama (“de Manaus”) ter “vacinado” em massa a população
brasileira, mas isso ainda aguarda comprovação.
Outra hipótese a pesquisar é se vacinas de vírus inativado
não seriam mesmo mais eficazes contra variantes. Mas não tem sido elegante tocar nessa
possibilidade em certos círculos, dado que a CoronaVac é chinesa.
Mudando de assunto, os Estados Unidos reabrem o turismo a
vacinados, inclusive com as vacinas chinesas da Sinovac (nossa CoronaVac) e
Sinopharm. E Israel, pioneira na vacinação em massa, aceita, além dessas,
também a russa Sputnik V, apesar de o imunizante não estar chancelado pela
Organização Mundial da Saúde.
E no Brasil? Por que a CoronaVac ainda não tem aqui o
registro definitivo e a Sputnik V continua bloqueada?
As respostas deveriam estar sendo cobradas da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas esta corre em raia mais ou menos
livre desde que conseguiu transmitir a impressão de não ser alinhada a Jair
Messias Bolsonaro. Parece ter recebido, por causa disso, um amplo passe livre.
Nunca subestime a política, mesmo quando ela se esconde
atrás da moral ou da ciência.
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Publicado na revista Veja de 10 de novembro de 2023, edição nº 2.763
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