Um aspecto tem passado algo despercebido em todo esse imbróglio sobre o novo valor do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) e de onde virão os recursos: o assunto ter provocado a necessidade de aprovar uma emenda constitucional. Isso parece ter resultado de dois fatores: a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre os precatórios e o teto de gastos ter sido lá atrás introduzido na Constituição.
Tudo sempre guarda alguma explicação, mas é bastante anômalo
que decisões simples de governo tenham passado a depender de mudar a Constituição. É um sintoma de várias coisas, antes de tudo de
ter caducado a ordem constitucional construída em 1988. É sintoma também do grave
enfraquecimento do Executivo. Uma tendência inaugurada pelas vicissitudes de
Dilma Rousseff e acelerada no intervalo Michel Temer.
A eleição de Jair Bolsonaro representou um impulso à
retomada da centralidade política do Palácio do Planalto, mas a tendência
centrífuga retornou conforme o presidente se enfraquecia devido aos próprios
erros políticos, especialmente na abordagem da Covid-19. E chegamos à situação
atual, quando mexer nos programas sociais depende de PEC, e a rotina diária dos
ministros do STF supõe passar o tempo desfazendo o que o governo faz.
A situação agrada a quem está na oposição pois vai levando à
progressiva paralisia governamental, e também neutraliza as teóricas vantagens
operacionais da maioria congressual. Antigamente, governar dava trabalho. Era
preciso ganhar a eleição de presidente e formar base parlamentar sólida. Hoje
em dia, basta eleger meia dúzia de deputados e recorrer ao STF quando o governo
faz algo que desagrade à opinião pública.
É uma situação confortável para quem, na política, não tem
perspectiva de poder formal e regular, e também para quem mais pode influenciar o ir
e vir dos cordéis que movimentam a opinião pública. A dúvida é sobre a
sustentabilidade. Um debate constante no Brasil é se as instituições estão
funcionando. Estão funcionando sim, e funcionando tanto que o sistema de freios
e contrapesos chegou ao estado da arte, com eficiência ótima: tudo travou.
A dúvida é como vamos sair da pasmaceira. Um caminho de sempre é a eleição presidencial. O problema: faz muito tempo a humanidade já sabe
como transformar ovo cru em omelete, mas a rota inversa é um mistério que
permanece insolúvel, desde sempre, aos mais brilhantes cérebros científicos. É
ilusão imaginar que bastará eleger alguém para “as instituições” recolherem-se
à casinha.
Mas História não é Biologia ou Química. Na História, o
omelete pode voltar a ovo cru. Geralmente, situações assim são destravadas por
alguém que acaba cortando o nó górdio. Uma coisa é certa, como já foi dito: o
cenário crônico de paralisia política, baixo crescimento econômico e travamento
institucional não permanecerá indefinidamente. Alguma transição virá. Há apenas
duas dúvidas: quem a fará e como.
Lula.
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