Conte a alguém de outro país que o Supremo Tribunal Federal brasileiro dia destes estava discutindo e decidindo se artistas podem ou não cantar em atos de campanha eleitoral, mesmo de graça. E que a Corte resolveu proibir a atividade. Informe também que ela decidiu, ao mesmo tempo, autorizar atos artísticos para arrecadação de recursos para campanhas.
Faça mais: tente explicar a exata diferença entre as duas
coisas, e por que uma pode e a outra não.
Boa sorte.
Na melhor tradição brasileira, assiste-se desde a redemocratização a um fluxo de produção legislativa -inclusive da lavra do Judiciário- destinada a “aperfeiçoar” e “corrigir” o sistema eleitoral. Esse furor legiferante tem picos em resposta a revelações de malfeitos, reais ou supostos, e aí os políticos, instados pela opinião pública, correm a dar “repostas à sociedade”.
A bizarrice sobre os “showmícios” é apenas um exemplo.
Tomemos o financiamento de campanhas. Em reação a escândalos derivados do
financiamento eleitoral ilegal e associados à corrupção,
aboliu-se a possibilidade de empresas doarem para candidatos e criou-se -e depois engordou-se- o
fundo eleitoral estatal.
O resultado? Conferir uma vantagem decisiva para
candidatos ricos e atribuir aos presidentes de partido um superpoder, pois
junto à generosa verba estatal não veio um aperfeiçoamento igualmente decisivo da
distribuição dos recursos. Os partidos brasileiros são aliás um caso único de
entidades financiadas quase totalmente por dinheiro dos impostos mas de que não se exige nenhum compromisso de funcionamento democrático.
E mais. Como a verba pública para cada partido é calculada a
partir da votação na eleição anterior, mesmo se a legenda tiver
desmilinguido desde o último pleito verá preservado seu "espaço".
O desfile é longo. Agora mesmo assistimos ao
desabrochar da campanha eleitoral presidencial (e de governadores, senadores,
deputados), mas sem os candidatos poderem dizer-se candidatos. Têm de ser
chamados “pré-candidatos” para não correr o risco de punição pela Justiça
Eleitoral. E não podem pedir voto, pois ainda não são candidatos, apesar de precisar se comportar como tal pois, afinal, a campanha começou.
Mas a campanha que agora inicia (a largada
“oficial” será só em meados do ano que vem) promete extrapolar nas coisas
estranhas. Informaram-nos outro dia que a Justiça Eleitoral vai punir “fake
news” na eleição, e candidatos que mentirem poderão até ser cassados.
E presos.
Se de fato o Brasil conseguir evitar que os políticos mintam,
ainda mais nas eleições, será uma inovação merecedora do Nobel de Química. Ou de Alquimia.
O primeiro desafio do Tribunal Superior Eleitoral neste
ponto será estabelecer qual o órgão competente para decidir o que é “verdade” e
o que é “mentira”. Quem sabe se, à guisa de aperfeiçoamento, a Justiça não poderia definir um rol de verdades oficiais para abastecer as mensagens
dos candidatos e evitar que o público, esse coitado indefeso e que precisa ser
tutelado pelos sábios de Brasília, fique exposto à desinformação?
Para concluir, conte a seu certamente já espantado interlocutor
estrangeiro que nosso sistema eleitoral praticamente impede o vencedor da
eleição presidencial de eleger com ele algo próximo de uma maioria parlamentar.
E ao final pergunte se esse estranho desfile tem
alguma chance de dar certo.
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