Pouco a pouco, nota-se o surgimento de algum desconforto com Luiz Inácio Lula da Silva estar, essencialmente, governando com os dele e com as ideias dele e dos dele. O motivo da linha de Lula parece relativamente singelo e foi antevisto em meados do ano passado.
“Ao contrário do que propõe a sabedoria convencional, o ex-presidente evita (...) inclinar-se programaticamente ao centro. Uma hipótese é o petista querer atrasar esse movimento o máximo possível, para reduzir o alcance das inevitáveis concessões. Mas há outra explicação, pragmática: Lula não modera o discurso e o PT não lipoaspira seu programa porque, simplesmente, não precisam fazer isso.” (“Todos trabalham por Lula”, de 17 de junho de 2022).
A tática política costuma ser a expressão concentrada da correlação de forças. É verdade que Lula venceu as eleições por margem pequena e para isso dependeu dos minguados, ainda que decisivos na ocasião, votos do autonomeado centro democrático. o que poderia levar a duas conclusões opostas: 1) fazer de tudo para reter esses votos, portanto guinar ao centro; ou 2) buscar ampliar a base própria, para não depender desse pessoal nas próximas empreitadas.
Vale a pena ficar de olho na segunda hipótese.
Desde o último debate no segundo turno, Lula tem insistido na interpretação de que o impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe de estado. Isso tem o potencial de alienar hoje apoiadores, mas simultaneamente coloca o segmento na desconfortável posição de identificados com o hoje demonizado Jair Bolsonaro.
Pois o jogo da deposição de Dilma só foi decidido mesmo quando PSDB e o então PMDB se juntaram à direita raiz para alçar Michel Temer ao Planalto.
Na época, o centro democrático deu o número parlamentar para a operação, mas, como se verificaria depois, era a direita raiz quem já oferecia ao movimento a base de massas e o coração da narrativa. Não existe “inevitabilidade” política, mas essa associação permitiu a Bolsonaro arrastar por gravidade a esmagadora maioria dos votos do centro democrático em 2018 e, com isso, suplantar Fernando Haddad cavalgando o antipetismo.
Assim como Lula surfou na onda anti-Bolsonaro para atrair, também por gravidade, um contingente centrista quatro anos depois. Verificou-se, portanto, que se trata de um grupo pendular e instável. O raciocínio cartesiano recomendaria adulá-lo para retê-lo. Mas a política nem sempre é cartesiana, e às vezes vale a pena procurar desenvolver musculatura própria para não depender, ou depender menos, de companheiros de viagem.
Se com essas ações Lula vai colher hegemonia própria ou crise, os fatos dirão. Vai depender, na última linha da planilha, dos rumos da economia, se o petismo econômico “puro” conseguirá produzir bem-estar ou assitirá à desaceleração do crescimento e à perda de tração da queda do desemprego.
Sobre a economia, aliás, um detalhe que não ajuda na estabilidade das relações entre o petismo e o centrismo é exatamente o fator econômico na história da derrubada de Dilma.
Ao assumir, ela aceitou nomear um ministro da Fazenda liberal e adotar medidas econômicas que teoricamente lhe trariam apoio fora da esquerda. Aconteceu o contrário: os adversários centristas aproveitaram o choque político do “estelionato eleitoral” para acelerar o processo político desencadeado em junho de 2013, de que Dilma conseguira escapar na reeleição. O ditado é antigo mas vale: gato escaldado tem medo de água fria.
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