E vem aí um contingenciamento orçamentário imprevisto. Continua o desalinho entre as projeções e as receitas reais. A falta de fôlego da arrecadação mostra que, se a economia parou de contrair, há escassos sinais de uma retomada robusta no curto prazo.
A pobreza relativa de votos na Câmara aumenta o custo político de reunir apoio necessário para aprovar alguma PEC da previdência. E as seguidas concessões a grupos de pressão do topo da pirâmide agravarão, como de costume, o desequilíbrio da balança em desfavor do trabalhador comum. O que aumentará ainda mais esse custo.
Somem-se 1) a permanente nuvem negra das delações premiadas e seus vazamentos e 2) a ameaça de mais e maiores impostos. E temos um quadro de perda precoce de substância. A erosão já era prevista para depois da votação da previdência, por 1) falta de expectativa de poder pós-2018 e 2) falta de repercussão, "na ponta", da melhora das expectativas econômicas.
Michel Temer ainda pretende aprovar alguma reforma previdenciária e, uma hora, a percepção de melhora econômica deve chegar à base da pirâmide. Já há sinais de descongelamento do mercado de crédito. Se tivesse tempo suficiente, não teria problemas intransponíveis no horizonte.
Mas não tem todo o tempo. Num paralelo com a Fórmula 1, começaram os treinos livres para a sucessão presidencial. Nos dois blocos tradicionais da polarização, a movimentação é aberta. Cresce a inquietação no PSDB sobre aspectos mais draconianos da reforma da previdência. E cresce a resistência na base a votar medidas impopulares.
E há o TSE. Em condições normais, a cassação da chapa Dilma-Temer poderá ser levada em banho-maria. Com manobras regimentais, pedidos de vista, chicanas diversas que empurrem tudo para quando remover o presidente não faça mais sentido, tão perto estará a eleição.
Mas, se o Planalto não consegue cumprir seu programa, a coisa se complica. Se não consegue 1) conter os efeitos da Lava-Jato sobre a política, 2) manter uma ampla base parlamentar para as reformas pró-capitalistas e 3) engatar alguma recuperação econômica consistente, corre o risco de ser rotulado de inútil ou de estorvo. Como Dilma foi um dia.
Verdade que o grande empresariado não quer mais turbulências. Prefere uma administração amiga, mesmo fraca, e apostar em urnas liberais em 2018, com o apelo do "novo". Outro "pró" é o mergulho da inflação, um freio à mobilização popular. O dinheiro, ainda que pouco, parou de escorrer pelos dedos das pessoas, e isso faz diferença.
A anemia das manifestações de ontem foi emblemática do cansaço da rua. Mas, se o governo mostrar-se inútil, ou um estorvo, os fatores de instabilidade irão pesar. Para o empresariado, a eleição de 2018 é só mais uma. Para os políticos, será vida ou morte. E sem financiamento empresarial de campanha estes são mais independentes daqueles.
E há o encontro marcado com o TSE, um problema prático que Temer precisará equacionar, assim como Dilma Rousseff precisou enfrentar o processo de impeachment. O julgamento do TSE será um fato. E uma característica dos fatos é sua capacidade de desencadear outros fatos. Fatos dão filhotes.
Sobre o TSE, se Dilma e Temer estivessem lutando juntos, a defesa de ambos teria mais consistência. Mas o divórcio fragiliza. E os grupos que buscam uma farta colheita eleitoral em 2018 a partir da luta contra a corrupção (dos outros) terão um desafio quando precisarem tomar posição no assunto. E Temer não tem gordura de popularidade para queimar.
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O fracasso das mobilizações de ontem é bom para Temer porque abre uma janela de recomposição e pacificação políticas, que vêm sendo bloqueadas pela direita. E é ruim porque reforça a narrativa da esquerda, de que as ruas rejeitam o programa de austeridade do temerismo. Derrotada mesmo, só a direita da ponta do espectro.
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