quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O parlamentarismo que os parlamentaristas não curtem

O parlamentarismo volta e meia dá as caras como panaceia para enfrentar as crises de falta de hegemonia do Executivo. É preciso mesmo resolver esse problema. O Brasil virou um país cronicamente ingovernável, e é urgente restabelecer o poder moderador da chefia de governo. O atual "caos de baixa intensidade” é também resultado da movimentação muitas vezes atabalhoada dos demais poderes e do Ministério Público para tentar preencher o vácuo.

No parlamentarismo cresce em tese o estímulo a que o Congresso se alinhe ao Executivo, para evitar o risco de dissolução e convocação de novas eleições. Claro que na prática é possível um parlamentarismo com seguidas trocas de governo, ao sabor dos realinhamentos no Legislativo, mesmo entre dois pleitos. Ainda mais com nossa grande quantidade de partidos. Mas na teoria seria um sistema com menos freios para o Planalto tocar suas políticas.

Um complicador: a coisa já foi rejeitada duas vezes quando se chamou o eleitor brasileiro a decidir em plebiscito. A razão é sabida. Foram duas tentativas de mexer na soberania popular, transferindo poderes de presidentes (ou vices) eleitos diretamente, para Congressos de baixíssimo prestígio. Da última vez, o apoio do establishment econômico, político e comunicacional foi maciço, mas insuficiente para convencer o eleitor. O instinto da massa prevaleceu de novo.

As tentativas de implantar o parlamentarismo no Brasil costumam carregar um fardo: o de virem pelas mãos de quem quer muito o poder mas tem pouco voto. A exceção que confirmou a regra: os parlamentaristas não lembraram de implantar o sistema quando chegaram ao Palácio do Planalto. O PSDB poderia ter tomado a iniciativa no governo de Fernando Henrique Cardoso. Preferiu introduzir a reeleição para presidente. Isso deve querer dizer algo.

Um mesmo conceito pode virar do avesso em novas circunstâncias. O parlamentarismo nasceu como instrumento para impor a soberania popular contra monarquias absolutistas. Onde teve esse papel acabou emplacando, em certos casos até hoje. Quando se tenta fazer o contrário, limitar o poder do povo sobre o governo, o contexto passa a ser completamente outro. Por isso, dizer que “vai funcionar aqui porque funciona em países desenvolvidos” é bobagem.

Se os parlamentaristas querem convencer de que o parlamentarismo é bom, precisam primeiro dar um jeito de ele vir para aumentar a influência da população sobre o governo, e não diminuir. E não é tão difícil assim construir argumentos. Numa contribuição ao debate, segue abaixo um punhadinho de mexidas que ajudariam a reduzir a resistência do povão, acho eu. Só não sei se os parlamentaristas vão curtir, mas sugerir não tira pedaço.

Poderiam começar estendendo para a Câmara dos Deputados o princípio de “um homem, um voto”, que hoje já vale na eleição de presidente. Cada estado teria deputados federais na exata proporção do eleitorado. Em caso de voto distrital, cada distrito teria aproximadamente o mesmo número de eleitores, em todo o país. Se o voto de todos é igual para eleger o presidente no presidencialismo, é justo que seja igual para indicar o primeiro-ministro no parlamentarismo.

Num segundo passo, a eleição dos primeiros-ministros ficaria bem parecida com a de presidente hoje, mas ligada à formação do Congresso. Ao votar no premiê, o eleitor daria automaticamente o voto a uma lista estadual de deputados federais ou a um candidato distrital. Cada partido ou coalizão teria um nome nacional na disputa de primeiro-ministro. Lula lideraria um bloco. Alckmin poderia liderar outro. Nesse sistema, até FHC se animaria, quem sabe?, a testar sua liderança.

Com essas duas medidas singelas o financiamento das campanhas estaria bem encaminhado. Cada partido ou coalizão teria os mesmos recursos e tempo de TV, desde que tivesse recebido, digamos, 5% dos votos das eleições anteriores para a Câmara dos Deputados. Todas as legendas ou alianças que não tivessem atingido os 5% no último pleito poderiam arrecadar de pessoas físicas e empresas até o limite da cota partidária.

Mas tenho dúvidas se os parlamentaristas topam. Você, leitor, que é inteligente, já percebeu por quê. Porque haveria o risco de eleger primeiro-ministro no parlamentarismo quem de todo modo se elegeria presidente no presidencialismo, só que com mais chance de ter maioria parlamentar para governar tranquilo. Mas não é isso que os parlamentaristas querem? Governo com maioria parlamentar que lhe dê estabilidade? Sim, mas só se for o governo deles. Eis a questão.

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Publicado originalmente no www.poder.com.br

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