domingo, 5 de agosto de 2018

Governo Geisel ajuda a entender problemas do próximo presidente

O 4º presidente militar do ciclo de 1964, general Ernesto Geisel, tinha um projeto: recuar a tropa aos quartéis e legar uma institucionalidade de ares democráticos e sustentável. A intenção era não deixar possibilidade real de a esquerda chegar ao poder.

Nesse cenário, as eleições de 1974 aconteceram num ambiente paradoxal: enquanto o regime matava os militantes da esquerda, armada ou política, a campanha eleitoral transcorria em razoável liberdade.

A história conta que o plano não deu tão certo assim. O regime duraria ainda uma década, mas aquelas eleições contrataram não apenas seu fim, inviabilizaram sua institucionalização.

A desaceleração depois do milagre econômico e o repique inflacionário, provocado também pelo primeiro choque do petróleo, contribuíram para o MDB conseguir ampla vitória na eleição do Senado e mais de um terço das cadeiras na Câmara. O partido era a única oposição legal.

O resultado bloqueou que o governo fizesse no Congresso reformas constitucionais sem apoio da oposição. Além disso, deixou claro que eleições razoavelmente livres eram um risco.

Na reação, a resposta do regime à derrota de 74 foram seguidos “casuísmos”, manobras para conter o voto oposicionista e seus efeitos práticos. A começar pela chamada “Lei Falcão”, que limitava a propaganda eleitoral a fotos e currículos de candidatos.

Depois veio o Pacote de Abril, um conjunto de medidas antidemocráticas, mas este artigo não pretende comparar aquele período e o atual. As diferenças são evidentes. O objetivo aqui é outro: entender a dificuldade de estabilizar pacificamente um cenário de contradição aberta, entre o que o governo faz, ou quer fazer, e o que o eleitorado quer que ele faça.

Num exercício teórico, teria sido mais fácil para o antecessor de Geisel, Emílio Garrastazu Médici, institucionalizar o regime. No governo dele o PIB cresceu ao que se chama hoje de “ritmo chinês”, mas o foco dos militares ainda era eliminar a resistência armada.

Quando finalmente veio a distensão, a economia tinha parado de “bombar” e o povão ficara mais vulnerável aos argumentos oposicionistas. A resposta surgiu na urna e depois na rua, com o resultado conhecido.

O mau desempenho econômico do governo Michel Temer é um pilar que sustenta a tese de Lula ser vítima de conspiração, de uma tramoia urdida para impedir que dispute e ganhe. A consequência é imediata: o próximo governo já nascerá maculado pelo deficit de legitimidade.

Se der a esquerda, será um desafio ao sistema de poder organizado em torno da Lava Jato e porta-vozes. Se não, a esquerda articulará a resistência aos que só ganharam porque Lula foi proibido.

Como desfazer o nó? Mesmo nos Estados Unidos, paradigma de democracia capitalista de sucesso, declina rapidamente a ideia de que, passada a eleição, cabe ao vencedor governar e ao perdedor trabalhar para a ganhar a seguinte, mas sem atrapalhar muito o país.

Quanto mais no Brasil, onde a fé democrática é bem mais rala e, em meio a um mar de escândalos, o único líder de expressão nacional impedido de concorrer é Lula.

Assim como a crise econômica dos anos 70 e 80 impediu na prática a institucionalização do então regime, ou o próximo governo encontra a chave para fazer a economia e o emprego crescerem ou entrará rapidamente em processo de degradação.

Com a desvantagem, na comparação com o período Geisel, de não ter os instrumentos autoritários e repressivos para pelo menos reduzir a velocidade do processo. E aí aparece uma dificuldade adicional.

Qualquer plano de retomada econômica precisará atacar os privilégios da burocracia estatal e as benesses ao empresariado. Mas como fazer isso se a aliança de um certo empresariado com certa burocracia tem sido a espinha dorsal do bloco de poder pós-2016? Se foi esse pessoal que deu a contribuição decisiva para tirar o PT do Planalto? A direita apoiaria a esquerda no ataque aos privilégios do Judiciário e do Ministério Público? E a esquerda ajudaria os algozes políticos a colocar o poder paralelo de volta na garrafa?

Difícil.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

Um comentário:

  1. "Com a desvantagem, na comparação com o período Geisel, de não ter os instrumentos autoritários e repressivos para pelo menos reduzir a velocidade do processo."
    Será? com um judiciário desse quais outros instrumentos estão faltando?

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