quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Jogando para a plateia?

O bolsonarismo curtirá se o STF não se meter
nos assuntos caros à agenda bolsonarista


No debate político em terras brasileiras, a objetividade perdeu-se como cachorro que cai do caminhão da mudança. Esta semana o Supremo Tribunal Federal avançou para ajudar o presidente eleito a retomar o poder moderador. E recebeu uma batelada de críticas vindas... dos eleitores do presidente eleito!

O STF está a ponto de decidir que as atribuições exclusivas do presidente, segundo a Constituição, continuam sendo exclusivas do ocupante do Planalto. Vai reafirmar que o presidente pode indultar condenados pela Justiça como bem entender. Vale para o tema específico, mas dá pistas também de um critério geral.

A eleição mostrou que o Brasil está cansado da desordem. Um dos focos da bagunça é cada instituição de Estado atribuir-se os poderes que bem entende, reescrevendo ou reinterpretando a Carta conforme convém. Um “processo constituinte” deformado e caótico, que paralisa. Freios e contrapesos tão bons que não se consegue governar.

A racionalidade política virou mesmo um bem escasso no Brasil. O bolsonarismo das redes está furioso porque o STF vai abrir mão de se meter no caso do indulto. Se raciocinassem, notariam que isso é bom para o novo regime. Pelo simples motivo de que este tem, vejam só!, a presidência da República e a maioria do Congresso.

Quem ganha se Judiciário e Ministério Público aceitarem que o Congresso faz as leis e o Executivo governa? O governo e a maioria do Congresso. Quem tem interesse em estender a mecânica em vigor, na qual o MP e a Justiça se estabeleceram como concentradores de todos os poderes da República Federativa do Brasil?

É o óbvio ululante rodrigueano. Coisa que anda fora de moda. Mas vamos tentar pensar. O que será melhor para o bolsonarismo? Que temas como aborto, legalização das drogas, meio ambiente, demarcação de terras indígenas e porte de armas sejam decididos pelo Legislativo, em parceria com o governo, ou pela dupla Justiça-MP?

Hoje, os ministros-ativistas do STF são aplaudidos nas ruas porque ignoram os dispositivos legais e constitucionais que, segundo o pensamento médio, “atrapalham a luta contra a corrupção". Mas onde passa um boi passa a boiada. Já se sabe, desde os “Versos íntimos”, que o beijo, amigo, é a véspera do escarro. #FicaaDica.

E Jair Bolsonaro? Ele disse que se o STF confirmasse o indulto de Michel Temer, seria o último. Depois ajustou, dizendo que seria o último tão generoso. Ganhará dinheiro quem apostar que, uma vez no leme, o presidente ajustará ainda mais. Como já mudou em outras teses, quando fica claro que a ideia original mais atrapalha que ajuda.

Mas talvez haja um motivo para Bolsonaro chatear-se. Talvez ele esteja lendo a decisão do STF como a reafirmação de que o tribunal tem a ultima palavra, mesmo quando for para decidir que não quer ter. Meio circular, mas paciência. Presidente pode muito, mas não pode tudo. Ou talvez Bolsonaro esteja apenas jogando para a plateia.

Vida que segue. O Brasil parece convencido de que encarcerar em massa e enfrentamento militar do crime vão resolver problemas como a corrupção e a falta de segurança. Neste momento político, isso ajudou e está ajudando uns. Mais adiante, quando os custos e os resultados ficarem mais nítidos, o vento talvez mude. No México mudou.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

4 comentários:

  1. Não sou defensora incondicional de político algum. Mas o texto força a barra, ao ignorar as condições em que o indulto foi julgado, em benefício de políticos enrolados com a Justiça. Nesse sentido, a reação da população não tem nada de "irracional", embora seja caracterizada como tal muito mais por pedantismo e prepotência do autor que por objetividade. As consequências até podem vir a favorecer a tomada de decisões pelo próximo presidente. Mas isso por enquanto é apenas uma possibilidade. O que se tem, líquido e certo, é o benefício de quem se valeu da condição de político para praticar abusos.

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  2. Outra coisa, essa suposta concentração de poderes excessivos no MP é muito discutível. Não subestime tanto as pessoas, acreditando que todos ignoram os riscos de abuso de poder em qualquer um dos lados. O problema é que a própria conjuntura exige providências que tornam o excesso de um dos lados menos danoso que o excesso do outro lado, isto é, da liberdade para roubar do erário público na certeza da impunidade. Trata-se de um complexo dilema que, pelo visto, a população enfrenta com mais sabedoria que formadores de opinião que vivem num mundo teórico alheio à realidade concreta das pessoas. Se endurecer com os corruptos e criminosos em geral traz os risco da violência do Estado em excesso, perpetuar a impunidade leva a outros abusos que praticamente tornaram nossa sociedade inviável, motivo pelo qual a sociedade não tem mais como tolear.

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  3. Seu texto me pareceu misturar conceitos. A direita nacionalista é antiblobalista, contra o controle político de um governo mundial. Não é contra o comércio internacional, este globalização. A esquerda radical era contra a globalização. Já a esquerda moderada (em nosso caso, vide PSDB) era pró-globalismo e sujeita às determinações da ONU sem nenhuma autonomia crítica.

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  4. Sua análise é que perdeu a objetividade. Está demasiadamente parcial. Não sou bolsonarista, votei nele com hesitação por falta de opção melhor. Mas decididamente não posso concordar com uma avaliação do problema que pondera os custos de um dos lados, não do outro. A impunidade vigente teve altíssimos custos, que também se ampliam no longo prazo. Portanto, sua conta não bate com a realidade.

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