Já está explícito que o objetivo do presidente Jair Bolsonaro é a reeleição. Dois obstáculos têm potencial para bloquear esse desfecho. Um importante é a economia. O projeto continuísta vai sofrer se o crescimento e o emprego não trouxerem novidades boas em dose suficiente. Mas, como mostra a Argentina, até um governo muito aquém na economia pode ser eleitoralmente competitivo, basta tornar impossível a união dos demais.
Há alguma idealização sobre a frente ampla que, no final, promoveu a transição dos governos militares para a Nova República em 1984-85. Histórias oficiais têm um componente de embelezamento artificial. Quem olha as fotos das Diretas Já pode achar que aquela turma esteve sempre unida contra o regime de 1964. Belo engano. Boa parte deles ajudaram a derrubar João Goulart, e só foram passando à oposição por falta de espaço no lado vencedor.
E o processo levou vinte anos.
Quando o PT foi ao segundo turno no ano passado, parte da campanha petista acreditou ser quase natural retomar, agora contra Bolsonaro, aquela frente ampla de trinta e tantos anos antes. O investimento de tempo e energia teve retorno paupérrimo. Pois aderir à frente pró-Fernando Haddad implicava manter o PT no poder. Diante do custo, a esmagadora maioria das supostas forças democráticas preferiu a eleição de um entusiasta do regime militar.
É um erro primário olhar essas coisas pela lente da emoção e dos juízos morais. É só política.
Onde estão os maiores riscos políticos de Bolsonaro? Um é a possibilidade de o autonomeado centro liberal preferir a volta do PT à continuidade do bolsonarismo. A probabilidade de isso acontecer em prazo curto é a mesma que havia de vingar a Frente Ampla de Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda e João Goulart quando ficou claro o desejo continuísta dos vencedores de março/abril de 1964. Probabilidade perto de zero.
Outro risco é a direita dita de centro, pulverizada nas urnas, recolher o apoio da esquerda, especialmente do PT, por uma alternativa de viés econômico bolsonarista atenuado e sem Bolsonaro. E com algumas concessões à pauta multicultural, identitária e ambiental. Não está no horizonte, pois implicaria concessões econômicas e políticas à esquerda, e o primeiro político dito de centro que as propusesse seria, na metáfora, guilhotinado em praça pública pela base.
Mas a esquerda poderia eventualmente apoiar um bolsonarismo sem Bolsonaro em troca de alívios pontuais, desde que estivesse totalmente esmagada no canto do ringue. Por enquanto não é o caso. Diferente do pós-64, a esquerda mantém poder nos estados e municípios. E o movimento sindical e popular de esquerda foi lipoaspirado mas preserva o esqueleto, e espaços bem razoáveis na esfera dos debates públicos.
E a Lava-Jato parece ter deixado para trás seu momento de glória consensual.
Ou seja, mantido o estado das variáveis, mais provável é continuar a polarização nacional entre o bolsonarismo e a esquerda, com vagidos centristas aqui e ali. Pois conter o aparecimento de um competitivo direitismo maquiado de centrismo, e sem Bolsonaro, interessa a ambos. E o melhor caminho para tanto é um continuar escolhendo o outro como adversário principal. E esperar para decidir no mano a mano em 2022. Ou em 2026. Ou...
Esse é o racional da coisa. Mas nem sempre as decisões na política são racionais. E erros acontecem. Especialmente quando o poder opera no limite da radicalização, o que parece o caso. E, como frequentemente lembramos aqui, a coisa mais difícil de prever, e portando de se preparar para quando vier, é o imprevisível.
Você disse numa análise recente que é relativamente seguro prever que para 22 a polarização vai se dar entre a esquerda e o bolsonarismo. E disse que isso explica Ciro e PT brigando no momento. Porém, no texto de hoje sequer menciona a existência do Ciro Gomes. Acredito que ele não entra muito nesse cenário descrito hoje mesmo. Mas a dúvida que fica é: Ciro é uma alternativa no jogo? Existe a possibilidade dele sair vitorioso na briga com o PT ou depende exclusivamente de uma derrota do PT por outros meios que não por ele? Ele depende das eleições do ano que vem, já que no texto de hoje você considera a força nas cidades como um fator? Não entendo muito bem como ele entra nessa briga.
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