Não é frequente eleições presidenciais no Brasil trazerem surpresas. De 1994 a
2014, deu a lógica, pelo menos sobre quem ia ao segundo turno, ou ganhava no
primeiro. Foram as duas décadas da polaridade PT/PSDB. Tempos nos quais os
apelos “contra a polarização” tiveram pouca acolhida no debate público e na
opinião pública. No máximo, viam-se ensaios de “terceira via”, que as
circunstâncias invariavelmente acabavam deixando na poeira.
O que mudou em 2018? Jair Bolsonaro desalojou o PSDB da
hegemonia no bloco que vai do centro para a direita. É interessante notar que a
Lava Jato acabou tendo para os tucanos um efeito mais destrutivo que para os
petistas. Varrido
do cenário nacional pouco mais de dois anos atrás, o PSDB luta agora para retomar o
posto de líder de seu campo, não sem razoável dificuldade. Uma batalha morro acima.
Os tucanos mantêm alguma expressão pelo Brasil em nível
estadual, mas à exceção de São Paulo não dá para dizer que o partido tenha
capilaridade hegemônica em nenhum outro estado. Um lugar onde mostrava algo
parecido com isso era Minas Gerais, mas ali razões históricas conhecidas
fazem hoje o PSD de Gilberto Kassab ser o candidato mais forte a ocupar a vaga
de eventual partido hegemônico. Inclusive com a participação de
ex-peessedebistas.
Situações de crise trazem oportunidades, diz o batido
bordão, e o governador João Doria luta com todas as forças para ser o
comandante da ofensiva de reconquista tucana. Teve a ousadia de sair na frente
nas vacinas contra a Covid-19 e espera colher os frutos no próximo ano. Os
fatos dirão. Um problema para Doria? É provável que daqui a um ano e meio, na
hora da eleição, as “vacinas federais” já sejam em bem mais quantidade que a “de
São Paulo”.
Doria tem um histórico de respeitáveis arrancadas eleitorais.
Aconteceu quando concorria para a prefeitura da capital e, depois, ao governo
estadual. É um argumento que ele tem usado ao ser confrontado com seus baixos
índices atuais de intenção de voto. Há precedentes também na eleição presidencial.
Fernando Henrique Cardoso em 1994, Dilma Rousseff em 2010 e Jair Bolsonaro em
2018 partiram de trás. Ainda que não tanto quanto o governador hoje.
Há, porém, uma diferença essencial entre os cenários
enfrentados por Doria nas corridas de 2016 e 2018 e a disputa pela sucessão presidencial
de 2022. O desafio ali era ocupar um espaço em larga medida desocupado. Nem
para a prefeitura nem para o governo estadual, Doria teve de lutar em seu bloco com
um Jair Bolsonaro. Os oponentes a ultrapassar eram Celso Russomano e a
incógnita entre Paulo Skaf e Márcio França.
Logo no começo do mandato de agora, Doria escolheu abrir, mais cedo do que recomenda a sabedoria convencional, a refrega com o atual presidente. Talvez tenha sido apenas por estilo, ou vai ver o governador avaliou que Bolsonaro se enfraqueceria rapidamente. A favor de Doria está o fato de as arremetidas anteriores dele terem dado certo. Contra, a também certeza de que enfrentar um presidente na cadeira costuma pedir mais frieza quando falta muito para a eleição.
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Publicado na revista Veja de 17 de março de 2021, edição nº 2.729
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