sexta-feira, 18 de junho de 2021

Uma ponta não fecha

Quem se debruça agora sobre a condução que Jair Bolsonaro vem dando aos desafios da pandemia conclui que o próprio presidente melhorou as condições para a emergência de uma ampla coalizão contra ele ano que vem.

Pelo menos no segundo turno da eleição.

Bolsonaro vem se orientando por um único parâmetro desde a chegada da Covid-19. É evidente que, na visão dele, os adversários só querem mesmo é usar a epidemia para provocar o colapso econômico, e assim impedir a sua vitória em 2022.

Mas tem um detalhe, uma ponta que não fecha.

Qual seria então a atitude racional para confrontar essa eventual estratégia inimiga? Concentrar todos os esforços na obtenção de vacinas. Em paralelo, apoiar medidas simples, e economicamente pouco destrutivas, de proteção individual e social (máscaras, higienização), até em contraponto ao radicalismo do “lockdown até a vitória final”.

E isso independeria de acreditar, ou não, no efeito curativo dos fármacos que o presidente propagandeia para a doença.

Mas em algum momento dessa história Bolsonaro parece ter perdido a mão, ter ficado enredado da teia dos acontecimentos, dos preconceitos, da ideologia e das pressões.

Em primeiro lugar, sua inclinação ao conflito como método preferencial de ação política permitiu ao governador de São Paulo atraí-lo para uma armadilha. Talvez João Doria não venha a ser o beneficiário final, eleitoral, da birra do presidente contra a CoronaVac, mas alguém com certeza vai faturar.

Tampouco se deve subestimar outro detalhe: Jair Bolsonaro nunca quis desafiar o núcleo duro da sua base, no qual florescem as teorias antivacina. E somam-se a outras ideias exóticas (por exemplo contra as máscaras) e à obsessão antichinesa. Um resultado prático é a grande dificuldade de o presidente ligar a imagem dele à vacinação.

E até que ela vai razoavelmente, para um país que ainda não fabrica autonomamente o imunizante.

A maioria da CPI da Covid-19 sustenta a tese de Bolsonaro ter apostado, desde o início, na aceleração da imunidade de rebanho. Mas, mesmo que tenha sido, isso não explica o incômodo com as vacinas. Pois elas ajudariam, como ajudarão, a antecipar a imunidade coletiva, e portanto a reabertura e a recuperação da economia.

E não é razoável acreditar que Bolsonaro desconhecesse o efeito eleitoral negativo de centenas de milhares de mortes. A conclusão? Uma mistura de excesso de submissão à base, ou falta de liderança (dá na mesma), e erros sérios na projeção dos efeitos letais da livre transmissão viral.

Terá consequência eleitoral? Saberemos daqui a pouco mais de um ano.

Mas suponha-se que Jair Bolsonaro consiga a reeleição em outubro de 2022. Aí as análises com engenharia reversa concluirão que o presidente fez tudo certo, e os adversários tudo errado. Claro que as coisas não são bem assim, todo mundo erra e acerta, e no final quem pode mais chora menos.

E a condução das políticas durante a pandemia fez com que agora Bolsonaro esteja dependendo mais que antes dos erros dos adversários. Quando lá atrás eram estes que dependiam totalmente dos erros dele.

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Publicado na revista Veja de 23 de junho de 2021, edição nº 2.743

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