A correlação de forças na Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19 é um certo termômetro da movimentação política nesta antevéspera do processo eleitoral. Ali, refletindo o país, é visível a cristalização de um antibolsonarismo à moda de alguns "anti" das décadas passadas. Juntam-se visões antagônicas, mas unidas pelo propósito único de remover o governante. As diferenças? Ficam para depois.
Há, entretanto, uma distinção, mesmo ainda sutil, na
comparação com eventos históricos relevantes anteriores. Vamos lembrar os dois
momentos recentes mais emblemáticos de hegemonia política, e emocional, do
“anti”: a superação do regime militar pela Aliança Democrática de Tancredo
Neves e a remoção do PT na deposição do governo Dilma Rousseff. Os dois
episódios foram resultado de coalizões heterogêneas.
Mas bem menos que esta agora, potencial, contra Bolsonaro.
Nos dois casos citados, acabou se solidificando um consenso
razoável tanto na política quanto na economia. A Aliança de 1984/85 queria a
redemocratização, mas também o desenvolvimentismo. E o antipetismo de 2015/16
desejava tirar Dilma, mas também vinha coeso em torno de avançar o que acabou
entre nós ganhando o nome de “agenda liberal”. Que resiste bem, como mostram as
votações para privatizar a Eletrobras.
A situação tem algo de curioso. O antibolsonarismo está vivo
na vontade de tirar Bolsonaro. Mas não tem coesão na economia. O antipetismo
está vivo, entre outras coisas, no desejo de manter o rumo da política
econômica aplicada pelo menos desde Michel Temer e continuada por Paulo Guedes.
E aqui vem uma encrenca para quem busca o poder em 2022: o que vai pesar mais na
urna, o impulso para trocar o presidente ou para manter o trajeto econômico?
Note-se que parece haver uma janela potencial para
alternativas que proponham substituir Jair Bolsonaro, mas sem romper com a
agenda liberal. Qual o problema, por enquanto? De novo, a capacidade de um
candidato com esse perfil superar a barreira de entrada: a fidelidade de pelo
menos um terço do eleitorado ao presidente e do mesmo tanto ao principal
adversário no momento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por falar nele, sempre é possível especular com um
deslocamento de Lula ao “centro” na política econômica. Esta semana ele disse
que vai revogar o teto de gastos. Mas convém prudência. Será imprudente supor
que Lula se aferrará a uma determinada linha econômica se ela trouxer risco de derrota eleitoral. Especialmente se em meados do próximo ano a
economia e o emprego estiverem em expansão.
Pesquisas temáticas costumam indicar que a maioria no Brasil quer mais Estado na economia, mas há um amplo consenso na elite contra políticas econômicas menos privatistas que a atual. Na teoria, o vencedor na urna precisará manter equilibrados e rodando esses dois pratinhos sobre as varetas. Ou então pode tentar ganhar a eleição dizendo uma coisa e depois fazer o contrário.
Da última vez não deu muito certo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário