Suponhamos, por exercício intelectual, um Brasil sem a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 no Senado. O cenário para o governo estaria razoável. Os números da vacinação avançam e são expressivos, e as curvas de casos e mortes vêm caindo faz algum tempo. E todas as projeções são de recuperação robusta do Produto Interno Bruto este ano, compensando com alguma margem a retração do ano passado.
Mas há a outra face da realidade. Iluminar o lado escuro da
lua mostrará que os casos e mortes pelo novo coronavírus ainda vão em patamares
altos. E o sofrimento social nascido do desemprego e da pobreza não dá sinal de
arrefecer. Apesar disso, todas as pesquisas mostram que vetores
positivos começam a superar os negativos na resultante de percepção popular.
Falando nela, a política, a avaliação do presidente da
República anda algo estacionada. Verdade que o ótimo+bom das pesquisas deslizou
para em torno de um quarto do eleitorado, mas o número retorna ao resiliente um
terço se juntarmos o "regular positivo". Um terço que aliás tem sido
o patamar da aprovação de Jair Bolsonaro e também a intenção de voto nele no
segundo turno. Ou seja, o presidente parece ter chegado a um certo piso.
O “parece” aqui é recurso de prudência, porque a política
gosta de trazer elementos que desestabilizam cenários. Entretanto, como já
repetido tantas vezes, o imprevisível é muito difícil de prever. O fim do filme
só saberemos em outubro de 2022, mas o retrato agora projeta disputa
acirradíssima na urna eletrônica daqui a pouco mais de catorze meses. Entre um
candidato à esquerda (hoje seria Lula) e um à direita (hoje seria Bolsonaro).
E as alternativas? Outro dado trazido pelas últimas
pesquisas: se houvesse um único nome da terceira via, ou “centro”, ele (ou ela)
partiria de algo em torno de 15 a 20%. Um número bastante razoável. E aí o desafio
seria lipoaspirar o candidato à reeleição em uns pontinhos, passar ao segundo
turno e tentar ganhar a disputa surfando a rejeição a Luiz Inácio Lula da Silva
e ao PT. À luz de hoje é difícil, mas não impossível.
Os aspectos objetivos da realidade (contenção da pandemia e
aceleração da economia) tendem a favorecer Bolsonaro na resistência contra a
ofensiva do centrismo para tirar o incumbente do segundo turno. Mas há os
aspectos subjetivos. Até que ponto as confusões e polêmicas que tanto ajudam o
presidente a manter agrupado o núcleo duro da base dele vão gerar efeitos
centrífugos prejudiciais, e assim facilitar o trabalho de quem disputa com ele
o eleitorado à direita?
Bolsonaro fez o movimento "by the book" ao trazer
o senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil. Um sinal do acerto é a
escolha ter sido bombardeada pelos adversários hoje mais renhidos do
presidente. Mas é preciso saber se, como diz o clichê, Bolsonaro vai ajudar
Nogueira a ajudá-lo. Pois a operação político-parlamentar avança bem na
solução do desafio imediato de não ser derrubado, mas é insuficiente para resolver
outro: a reeleição.
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Publicado na revista Veja de 04 de agosto de 2021, edição nº 2.749
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