Quando você age sobre a realidade, necessariamente a transforma.
Mas aí ela também acaba transformando você. Ação e reação. Parece inevitável
que a participação cada vez maior, e institucional, das Forças Armadas na
política partidária termine abrindo espaço para a explicitação de debates
político-partidários no interior mesmo da corporação.
Aliás o vice-presidente Hamilton Mourão já advertiu sobre
isso.
Digo “explicitação”, e não “introdução”, pois seria
ingenuidade, a qualquer momento, interpretar como apoliticismo a falta de
manifestações explícitas de partidarismos no estamento militar.
Dois dos presidentes do período 1964-85 cuidaram com esmero
de prevenir esse jogo recíproco, em que as Forças politizam e ao mesmo tempo
são politizadas, ou partidarizadas: Humberto de Alencar Castelo Branco e
Ernesto Beckmann Geisel. O primeiro operou uma reforma militar também com esse
objetivo, e o segundo decapitou a resistência à distensão.
Ações que contribuíram de maneira importante para fechar o
ciclo da anarquia militar no Brasil do século 20, cujo marco inaugural havia
sido a eclosão do tenentismo. Ter deixado isso para trás era apontado até outro
dia como conquista da Nova República. Não parece estar sobrando muito das
conquistas da Nova República.
Em parte, os militares têm sido puxados para a política nos
anos recentes pelo vácuo nascido da desmoralização e do desgaste das demais instituições
nacionais. Isso ganhou nova dimensão quando Jair Bolsonaro, sem um partido para
chamar de seu, acabou recorrendo aos fardados, da ativa e da reserva, como
estoque de quadros e de doutrinas para tocar o governo.
A realidade é implacável, e o poder não se resume às
delícias dele, carrega também os riscos decorrentes das delícias. E aí o
noticiário começa a trazer confusões ligando duas coisas: militares e verbas
orçamentárias. E agora com números de alto impacto vindos dos recursos
destinados pelo governo e pelo Congresso ao combate da Covid-19.
Na falta de eventos de ruptura, a vida segue, e nela sempre
chega a hora de ter de dar alguma explicação. Na escalada da politização, as
recentes manifestações do Ministério da Defesa e dos comandantes militares vêm
reiterando: as Forças estão aí para defender a liberdade e a democracia. Ecoam
palavras do próprio presidente da República. Falta, até o momento, dizer se
ambas estão sob ameaça.
E falta também, nesse caso, a explicação mais importante:
quem ameaça.
Enquanto tal detalhe não fica claro, ao menos segue o baile.
No terreno por eles pouco conhecido da política, até agora os militares estão levando
uma certa canseira dos políticos. Os lprimeiros andam ocupados em mostrar os dentes,
estes últimos preferem concentrar-se em tomar espaços de poder daqueles.
E nem Jair Bolsonaro pode ajudar muito, já que depende dos políticos para se manter na cadeira, inclusive depois de 2022, se se reeleger. O que pelo jeito vai ser decidido mesmo na urna eletrônica, apesar das dúvidas e arranca-rabos. Se bem que neste ponto é sempre adequado contar com novas emoções.
Nenhum comentário:
Postar um comentário