quarta-feira, 31 de março de 2021

Projeções

E o Brasil chegou a 10% da população adulta vacinada com pelo menos uma dose do imunizante contra o SARS-CoV-2 (leia). É pouco perto do número necessário para atingir a imunidade de rebanho, mas não deixa de ser um dado reconfortante para quem foi vacinado, suas famílias e amigos.

Do outro lado da moeda, nunca tivemos tantos casos, internações, pacientes em UTIs, mortos. Números trágicos da segunda onda de Covid-19. Mas, se a vacinação continuar pelo menos no ritmo atual, é possível que daqui a poucos meses estejamos assistindo ao despencar dessas curvas.

Segundo acompanhamento de instituições do mercado financeiro, há uma possíbilidade real de todos com mais de 50 anos que desejem se vacinar terem tomado pelo menos uma dose até o final de abril. E até o final de setembro todos com mais de 20 anos.

Se essa projeção otimista realizar-se, e tomara que se realize, além das vidas salvas - sempre o mais importante - teríamos números fortes da economia no terceiro trimestre deste ano. Uma necessidade, diante do alto desemprego (leia), mesmo com os bons números do Caged (leia).

terça-feira, 30 de março de 2021

Segurança vacinal

Contam-se nos dedos da mão os países onde a vacinação corre em ritmo suficiente para ter atingido, ou estar perto de atingir, a imunidade de rebanho. Contribui para isso o "nacionalismo de vacinas", a política de algumas nações grandes fabricantes reservarem para elas próprias as vacinas em quantidade suficiente para imunizar toda sua população.

Já no segundo pelotão correm os países onde a vacinação ganhou certo ritmo, mas ainda está longe de ter coberto porcentagens majoritárias da população. O Brasil está nesse grupo, que sofre de limitações comuns. A principal delas? Não ser fabricante de vacinas. Inclui até países grandes e industrializados em outros setores, como o Brasil.

Sobre essa dependência, o problema do momento é a possibilidade de sobressaltos na importação dos insumos necessários à produção da CoronaVac (leia). O mundo político movimenta-se para evitar soluções de continuidade. É a nossa situação, graças aos conhecidos problemas conjunturais e também à subestimação da importância de uma assim chamada segurança vacinal.

Seria algo semelhante ao conceito de segurança alimentar, só que para vacinas. 

segunda-feira, 29 de março de 2021

Linhas reorganizadas

A primeira leitura sobre as movimentações ministeriais indica que Jair Bolsonaro reagiu ao processo de esvaziamento de poder com um rearranjo que colocou nas pastas estratégicas personagens mais permeáveis a sua autoridade.

E complementou o xadrez trazendo para o Planalto um nome do Congresso Nacional, o que lhe permite construir um polo de articulação agora triangular: aos dois presidentes das casas legislativas soma-se doravante alguém também da política, mas subordinado ao presidente.

O desgaste progressivo do agora ex-ministro das Relações Exteriores somou-se à perda de influência real de Bolsonaro no ministério da Saúde. Neste caso, o ministro parece mover-se, ao contrário dos anteriores, com razoável autonomia.

Tudo ajudou a transmitir nos últimos dias ao mundo político uma sensação de fraqueza presidencial. Que atingiu ponto crítico quando o chanceler abriu uma ofensiva contra o Senado. E este reagiu dando na prática um ultimato.

As mudanças deixam evidente que o presidente tenta organizar um contra-ataque.

Ou pelo menos estabelecer uma linha de resistência. Na política, depois de trazer o PP de Arthur Lira (AL) e Ciro Nogueira (PI), e depois de instalar o Republicanos de João Roma (BA) na Cidadania, atraiu agora o PL com Flávia Arruda (DF). Vai, também, cercando aliados potenciais para 2022.

Além de, naturalmente, estabelecer barreiras de contenção para eventuais tentativas de removê-lo do cargo pela via parlamentar. Considerando que a taxa de mortalidade política dos presidentes eleitos desde 1989 é de estonteantes 50%, não deixa de ser prudente.

O desafio para o presidente é atravessar a correnteza do futuro próximo, que vai combinar péssimos números na Covid-19, um provável arrefecimento da atividade econômica (ajudado pelas medidas de isolamento social) e pressões internacionais sobre a pandemia e o clima.

Num momento em que a vacinação da Covid-19 caminha, mas está longe de propiciar a tal imunidade coletiva.

Há também as incertezas sobre movimentações sociais decorrentes do relativamente baixo (comparado com o do ano passado) auxílio emergencial, o provável crescimento de desemprego e o cansaço com as medidas de isolamento social dos governadores e prefeitos.

As mudanças indicam que Jair Bolsonaro escolheu outro caminho que não o de ceder poder na hora do aperto. É possível que tenha feito a leitura do acontecido com os dois antecessores que acabaram derrubados depois de, na undécima hora, entregar os anéis.

E tem a variável da consequência das mexidas na área militar. É a variável que ainda não está tão clara assim.



A OMS e Wuhan

Segundo o The New York Times, o relatório da Organização Mundial da Saúde sobre Wuhan e a Covid-19 informa que  a origem da pandemia é mesmo provavelmente a transmissão do novo coronavírus de morcegos para seres humanos, por meio de outro animal. A OMS afastou, segundo a mesma fonte, a possibilidade de o SARS-CoV-2 ter "escapado" acidentalmente de experiências laboratoriais (leia).

Vamos aguardar. A única certeza: os críticos apontarão uma suposta falta de independência da OMS em relação à China, enquanto esta dirá que sempre esteve certa quanto às hipóteses sobre o surgimento da pandemia que varre o mundo. A geopolítica, a exemplo da política, nutre-se não apenas de fatos, mas de narrativas, e não tanto de provas quanto de convicções.

O nascimento da pandemia é um capítulo da disputa global. Outro é a guerra em torno da distribuição desigual das vacinas pelo planeta. A regra atual é "farinha pouca, meu pirão primeiro". Quem pode mais corre mais para tentar quebrar a próxima onda nacional de contágios e portanto de óbitos. Quem pode menos, que espere sua vez. Que se vire.

sábado, 27 de março de 2021

Uma verdade inconveniente: cada governo responde em primeiro lugar a seus próprios eleitores

Fala-se muito em frente ampla oposicionista, mas por enquanto a única consolidada é uma contra a atual condução - e o atual condutor - da política exterior brasileira. Será necessário, porém, notar que a frente não é homogênea. São pelo menos duas grandes tendências. E elas irão se chocar mais adiante. Segundo a primeira, o principal erro do atual Itamaraty foi o forte alinhamento a Donald Trump. Para a segunda, o equívoco foi ter abandonado o nosso tradicional esforço pelo não-alinhamento a países ou blocos.

Parece a mesma coisa, mas não é. Para a primeira, basta trocar "Donald Trump" por "Joe Biden" e a encrenca estará resolvida. Será suficiente, por exemplo, o Brasil aceitar os ditames do Partido Democrata dos Estados Unidos para a nossa política ambiental e enquadrarmo-nos na estratégia de Washington nas mudanças climáticas. Restariam outros ajustes, mas o grosso da confusão teria sido resolvido. E a reunião global de abril convocada por Biden sobre o tema será uma oportunidade.

Vista de modo mais abrangente, essa flexão implicaria admitir uma espécie de "multilateralismo do Tio Sam". Um mundo em que as instituições multilaterais seriam a fachada perfeita para o exercício de hegemonia da maior, por enquanto, superpotência. Quase uma volta aos anos 50 do século passado. Quando, por exemplo, a Organização das Nações Unidas funcionava como "rubber stamp" do Departamento de Estado. O mundo mudou muito desde então, mas é o que tenta o governo Biden.

Ocorre que a atual crise envolvendo o Itamaraty foi desencadeada pelo problema das vacinas contra a Covid-19. Antes, o alinhar incondicional aos EUA incomodava parte do mundo político, mas como a China continua a comprar fortemente nossas commodities – até acelerou, para formar estoques, o incômodo não tinha consequências práticas. A hostilidade ao governo chinês era criticada, mas a crítica nunca chegou às vias de fato. A explosão de casos e mortes por aqui por Covid-19 mudou isso.

A cristalização de convicções sobre a centralidade das vacinas para liquidar a epidemia expôs a insuficiência da política atual. Diferente dos países dos Brics de dimensão comparável à nossa (China, Índia e Rússia), somos a única nação da tétrade a não dispor ainda de uma linha de produção própria de vacinas contra o novo coronavírus. E aí, reconheça-se, todos os governos das últimas décadas são sócios na culpa. Assim como os porta-vozes da obsolescência de ter política industrial. Agora, o governo federal e o de São Paulo correm para virar a página.

Que tenham sucesso, para o bem do Brasil.

Voltando. Se recompensar o bom comportamento fosse a regra das relações internacionais, então seria hora de ver os Estados Unidos e o resto do Ocidente retribuírem nosso recente alinhamento estratégico a esse campo geopolítico mandando para cá as vacinas necessárias. Acontece que Biden nesta pandemia segue a máxima trumpista do “America First”. Segurou o grosso das vacinas por ali. O mesmo fez o outro grande fabricante do “mundo livre”: o Reino Unido. Nem para o resto da Europa estão aliviando.

Pois cada governo é eleito unicamente pelos seus próprios nacionais. E na hora do aperto responde em primeiro lugar a eles. São a fonte da reprodução de seu poder político. Ignorar isso é um erro primário. Eis uma verdade inconveniente, como diria o ex-vice-presidente Al Gore.

E cá estamos nós a depender agora de países com quem vínhamos arrumando encrenca gratuitamente, apenas para agradar um que agora nos dá as costas. Serve de lição. Poderemos debater isso com mais calma depois. Mas agora precisamos mesmo é de vacinas. E precisamos de chineses, indianos e russos. Está exposta, como nunca, a insuficiência da atual política exterior. Mas não só. Está provado também que trocar “Trump” por “Biden” não será suficiente. Pois os americanos não estão mandando vacina nem para a turma da Otan.


sexta-feira, 26 de março de 2021

Argentina fechada

A Argentina proibiu completamente os voos vindos do Brasil, do México e do Chile. Já tinha feito isso com voos provenientes do Reino Unido (leia). É mais uma medida na tentativa de se proteger das novas cepas de SARS-CoV-2. E também das velhas.

Enquanto as trágicas contabilidades da Covid-19 escalam aqui, a Argentina se afasta para trás relativamente, depois de até nos ultrapassar nas mortes por milhão de habitantes. A dúvida é sobre se haverá ali uma segunda onda. A tentativa de se proteger das novas cepas é exatamente para evitá-la.

A Argentina quer evitar ser amanhã o que o Brasil é hoje. No ano passado, fez um dos mais duros e extensos lockdowns do planeta. O resultado para a economia foi ruim, um recuo do PIB mais que o dobro do daqui. E também colheu uma primeira onda de Covid-19 longa e mortal.

Agora, procuram se proteger melhor. Faz sentido. Mas é medida de efeito limitado, não tem como ser perpetuada no tempo. Lá, como aqui, a solução é vacinar em massa e esperar que isso, combinado infelizmente com a marcha do vírus, produza a imunidade coletiva.

Vale para um país e vale para a região. No limite, vale para o mundo.

Distensão tucano-petista?

O noticiário traz indícios de distensão entre PT e PSDB. Seria algo inédito no último quarto de século, desde que Fernando Henrique Cardoso atravessou o Rubicão em 1994 e se aliou ao então PFL (hoje Democratas) para formar um bloco anti-Lula na sucessão de Itamar Franco. Foi um movimento e tanto, pois petistas e tucanos vinham próximos e haviam sido sócios-fundadores do impeachment de Fernando Collor.

Daí sobrevieram duas décadas de polarização eleitoral e política entre as legendas. O PT derrotou o PSDB sempre que teve segundo turno, já os tucanos ganharam duas vezes no primeiro turno nos anos 90. Mas a dança do par acabou quando a Lava-Jato dinamitou primeiro o petismo e depois, mais perto da eleição de 2018, o tucanismo. A força de Luiz Inácio Lula da Silva ainda levou Fernando Haddad à decisão, mas aí deu Jair Bolsonaro.

As almas crédulas podem acreditar que ambas as agremiações estão mobilizadas pelo ímpeto de salvar o Brasil, já os espíritos mais céticos preferirão esperar para saber se não é apenas um enxergando no outro a escada para voltar ao poder em Brasília. É provável que seja uma mistura das duas coisas, mas na política a narrativa é sempre essencial. E desconfiar dela também.

Essa dita aproximação, se acontecer mesmo, vai despertar paixões. A favor e contra.

Para buscar alguma objetividade, será preciso ir às questões de ordem prática. Uma, simples, é imediata: petistas e tucanos apoiariam um ao outro numa decisão de segundo turno contra Bolsonaro? Pode parecer prematuro discutir isso a um ano e meio da eleição, e os políticos, espertos, dirão que é mesmo. Mas é só disso que se trata. Hoje, parece mais fácil o PT aceitar esse compromisso que o PSDB.

Até porque as pesquisas de hoje dão mais chance ao petismo que ao tucanismo em 2022.

Eu disse que é só disso que se trata, mas talvez não seja bem assim. Outro ponto importante: aliar-se para fazer o quê? Qual seria o programa de um governo petista-tucano, ou tucano-petista? É fácil dizer que farão uma “frente de salvação nacional”, mas no que consistiria essa “salvação”? Estará o PT, por exemplo, disposto a abrir mão de suas concepções econômicas e geopolíticas, e assim fechar o espaço para uma alternativa viável de centro-direita?

2022 vai repetir 2002?

Do lado do PSDB, há outro problema. Aquele partido com tintura social-democrata fundado na viragem dos anos 80 para os 90 do século passado ficou na história, e a legenda hoje tem enraizamento mesmo é no eleitorado mais para conservador. Uma coisa é assinar manifestos conjuntos nos jornais e na internet. Outra coisa é fazer o candidato a deputado, senador e governador bater de frente com o eleitor dele.

Porque provavelmente o bolsonarismo vai dobrar a aposta conservadora na eleição do ano que vem. Pois, além de tudo, o conservadorismo é a principal força a explicar a resiliência do presidente da República em meio à blitzkrieg política que a condução da pandemia permitiu desencadear contra o governo.

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Publicado na revista Veja de 31 de março de 2021, edição nº 2.731

quinta-feira, 25 de março de 2021

Segunda, terceira

Segue o debate sobre o que está impulsionando a atual segunda onda de casos, e portanto óbitos, de Covid-19. Se é o afrouxamento das medidas de isolamento social ou a entrada em cena de mutações virais mais contagiosas e eventualmente mais letais.

Provavelmente é a combinação das duas coisas. Um ambiente ideal de isolamento das pessoas inviabilizaria a transmissão viral, mas o problema é esse "ideal" ser impossível. Sobre o tema, vale a pena ler a coluna de Fernando Schüler ("Invisíveis") hoje na Folha de S.Paulo (leia).

O que não minimiza a importância de promover e respeitar, acima até do limite do possível, o isolamento e o afastamento sociais.

Enquanto debatemos, segue por todo o Brasil a segunda onda de infecções e óbitos pelo novo coronavírus. Há especialistas para todos os gostos, mas alguns deles informam que esta segunda curva epidêmica deve entrar em declínio antes mesmo de a vacinação atingir o desejado efeito coletivo.

Ainda que a vacinação seja sim muito importante, essencial, também para a proteção individual.

E como a subida está sendo mais íngreme do que na primeira onda, resta a esperança de a descida também ser. O platô na primeira onda durou meses. O desta segunda onda, sempre segundo as mesmas fontes, está previsto para durar semanas.

Ou seja, é possível que os novos hospitais de campanha montados agora às pressas só estejam prontos quando a pressão sobre o sistema hospitalar convencional já tiver diminuindo. Tomara que depois não desativem apressadamente.

Pois a Gripe Espanhola teve três ondas. E na Europa já se sobe a terceira. E quem não aprende com o passado está condenado a repeti-lo, diz o adágio. Vale também para "aprender com os erros".

quarta-feira, 24 de março de 2021

Ajustes

Os movimentos das últimas horas foram claros. O presidente da República procurou ajustar o discurso e a operação política em torno da pandemia, para enfrentar o crescente risco de isolamento. As necessidades da nova conjuntura foram desenhadas pelo agravamento dos números trágicos da Covid-19. E pela repercussão deles. Diante da maré crescente contra, o Planalto teve de agir.

Colocou a vacinação no centro do discurso e buscou articulação com os demais poderes e governadores. Persistem, naturalmente, os bolsões políticos de maior atrito, estimulados pelo desgaste presidencial e também, por que não?, motivados pela disputa eleitoral do próximo ano. Se vai funcionar, os dias e semanas vão dizer.

O Brasil caminha na vacina (leia), mas a propagação do SARS-CoV-2 tem rapidez própria. Vamos aguardar para saber o quanto a vacinação irá efetivamente contribuir para encurtar a duração da segunda onda. Ou até, quem sabe?, evitar a terceira. A ascendente da nova onda está mais aguda do que foi na primeira. Resta cruzar os dedos para que o declínio siga esse mesmo padrão.


terça-feira, 23 de março de 2021

Segunda turma

A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal de declarar a suspeição do então juiz Sergio Moro num caso que envolve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolve por enquanto uma das equações conjunturais que compõem o emaranhado jurídico-político brasileiro.

O resultado neutraliza, na prática, qualquer possibilidade de a decisão do ministro Edson Fachin, que determinou que Lula não deveria ter sido julgado em Curitiba, ser revertida no pleno do tribunal. Pode até ser mudada, mas a mudança não terá significado prático.

A possibilidade de Lula ser candidato vai se consolidando, assim como a prematura polaridade com o presidente Jair Bolsonaro. Há um espaço a ser ocupado pela centro-direita, mas aí o palco está muito pulverizado e a batalha dos pretendentes será morro acima.

No Brasil, até o passado é imprevisível, e vamos então aguardar. Mas o governo Bolsonaro vai entrando naquela etapa em que a margem para errar começa a cair exponencialmente. Em especial na pandemia, e mais ainda quando se trata da vacinação.

segunda-feira, 22 de março de 2021

Monitorar a vacinação

Agora que a vacinação contra a Covid-19 por aqui está pegando tração, duas notícias positivas de hoje. A primeira é que o imunizante de Oxford e da AstraZeneca conseguiu 79% de eficácia na prevenção de casos sintomáticos. A vacina também revelou 100% de eficácia contra casos graves. 

Além disso, não aumentou o risco de coágulos sanguíneos (leia). O estudo foi conduzido com mais de 30 mil vacinados nos Estados Unidos, Chile e Peru.

A segunda é que o imunizante da chinesa Sinovac é efetivo e seguro para crianças e adolescentes (leia).

Parece que as duas escolhas, do governo de São Paulo e do federal, vão se provando adequadas, resta agora torcer para que as entregas prometidas se realizem conforme o planejamento. A velocidade na vacinação é importante para ganhar a corrida contra as novas cepas que a seleção natural produz.

Para quem deseja acompanhar em tempo (quase) real a vacinação pelo mundo, no Financial Times tem os dados absolutos e proporcionalmente à população. Eu escolhi comparar Brics, México e Argentina (leia). Mas você pode comparar o que quiser. Vale favoritar. 

sábado, 20 de março de 2021

Os desafios políticos no curto prazo. E o inglório boxe da ideologia contra os fatos.

As forças políticas estão diante de desafios imediatos. Na oposição, o trágico agravamento da epidemia de Covid-19 é uma oportunidade, talvez a melhor, para tentar enfraquecer decisivamente o governo Jair Bolsonaro. Para removê-lo já, ou ao menos fazê-lo chegar a outubro de 2022 tão emagrecido que se torne incapaz de reunir a maioria do eleitorado no segundo turno presidencial, ou até impossibilitado de ir à rodada final.

A remoção imediata tornou-se mais difícil após a eleição de aliados do presidente para comandar a Câmara dos Deputados e o Senado. Mas a política não é estática, então a pressão também recai sobre os comandantes do Legislativo. Que, entretanto, podem escorar-se nas maiorias ali dispostas a respaldar o núcleo econômico da agenda governamental em troca de espaços de poder, lato sensu

Daí certa tendência ao “morde e assopra”: uma hora agradam aos críticos, mas nunca faltam ao Planalto.

A janela de oportunidade para enfraquecer o presidente e o governo, ao menos com vistas a 2022, acabou unindo o que estava difícil de juntar: a esquerda com a direita não bolsonarista. Ainda que uma parte desta continue aferrada ao discurso de “luta contra os extremos” e prefira ser chamada de “centro”, ou pelo menos “centro-direita”. Mas tanto faz: uma parte do bloco bolsonarista de 2018 está se deslocando.

O “caminhar juntos” da esquerda com a centro-direita (vamos então caracterizar assim) na luta de momento contra Jair Bolsonaro também se alimenta da grande esperança maximalista desta última: tirar o presidente até do segundo turno. No qual, a esse grupo se apresentaria finalmente uma possibilidade material de aparecer como a tal alternativa viável aos “extremos”. Aliás, o desafio do “centro” é só esse, ir ao segundo turno.

Pois ali estaria em posição excelente para eleger-se com base apenas na rejeição ao oponente. Qualquer um.

Já para a esquerda, a ampla convergência antibolsonarista de agora é chance de ouro para o “reset”, para sair do isolamento. A elegibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva ajuda, na medida em que desenha alguma expectativa de poder, sempre fator de atração. Mas chegará a hora em que esse mesmo “centro” voltará a brandir a “ameaça da volta do lulopetismo”. Pode ser no primeiro ou no segundo turno. É uma narrativa já contratada.

Já no lado do governo, a missão é atravessar o desfiladeiro, à espera de que a curva de vacinação neutralize, ao menos amorteça, a de mortes registradas diariamente pela Covid-19. As informações do Butantã do governador João Doria e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) são moderadamente animadoras. A política é mesmo cheia de contradições misteriosas: bate-boca à parte, o governo de São Paulo está objetivamente ajudando o federal no momento mais difícil deste.

Pois o único trunfo, ou boia, do Planalto nesta hora é a vacinação.

Mais ironias? O governo Bolsonaro faz há dois anos um esforço descomunal para desacoplar o Brasil da lógica Sul-Sul e engatar nosso vagão no que chama de Ocidente, ou “mundo livre”. Mas, no pior aperto sanitário da nossa história, só podemos contar mesmo é com chineses, indianos e, se a Anvisa deixar, russos. Ideologia é agradável, mas quando ela sobe ao ringue para bater de frente com os fatos nunca tem muita chance.

sexta-feira, 19 de março de 2021

Segunda, terceira

Depois da segunda onda vem a terceira? Isso aconteceu, por exemplo, na Gripe Espanhola. E ali a mais mortífera foi a segunda. Agora, a Europa parece às voltas com o recrudescimento das infecções pelo SARS-CoV-2, uma terceira onda que preocupa as autoridades sanitárias (leia).

Também porque o ritmo da vacinação no Velho Continente deu uma engasgada, por causa das dúvidas sobre a vacina de preferência deles, a Oxford/AstraZeneca. Houve relatos de complicações após a administração, ela foi interrompida em diversos países mas agora parece que vai ser retomada.

Lá, como cá, a disputa se dá em torno de apertar e estender, ou não, as medidas de isolamento social. Mas ali preservou-se um grau bom de coordenação entre governos e países. Se acertarem, a chance de todos acertarem juntos é grande. Igualmente se errarem.

Por aqui, a turbulência federativa vai firme. Um exemplo insólito é a divergência entre o governador de São Paulo e o prefeito da capital, aliados e ambos do mesmo partido, sobre o feriado prolongado que a prefeitura determinou (leia). E assim caminha o Brasil. Tomara que a vacinação acelere logo.

quinta-feira, 18 de março de 2021

Feriado prolongado

A cidade de São Paulo decidiu antecipar cinco feriados, para promover um longo período de não-trabalho. O objetivo é aumentar as taxas de isolamento social e ajudar a reduzir a velocidade de contaminação dos habitantes e visitantes da cidade pelo SARS-CoV-2 (leia).

Como já foi dito aqui (e em outros lugares) diversas vezes, isolamento social funciona. O problema é a impossibilidade de fazê-lo em 100% das pessoas e pelo tempo necessário para de fato frear a transmissão do novo coronavírus.

Inclusive porque para um pedaço da população poder ficar em casa a outra parte tem de ir trabalhar. Esse parece ser um problema insolúvel. Ou, pelo menos, precisaria de um debate racional e coordenado para ser resolvido, ou amenizado.

Esperemos que a medida do prefeito Bruno Covas dê resultado, diante do grave stress a que está submetido o sistema hospitalar da capital paulista. Aliás a cidade brasileira mais bem apetrechada de hospitais e demais equipamentos essenciais ao serviço de saúde.

Os problemas na pandemia não são triviais. Nem as soluções.

quarta-feira, 17 de março de 2021

Os números de Bolsonaro

O Datafolha foi a campo e constatou um contingente de ótimo+bom do governo/presidente estável em 30% e um possível leve deslocamento do regular para o ruim+péssimo (leia). Mas a estabilidade da avaliação favorável contrasta com a piora do julgamento que o eleitor faz do desempenho de Jair Bolsonaro na pandemia (leia).

A curiosidade é sobre como os números vão evoluir no futuro próximo. Quando, e se, o desgate causado pelas políticas governamentais diante da crise sanitária vai corroer significativamente o "núcleo duro" do apoiamento bolsonarista. Que, em market share, corresponde à dimensão do apoio que o então candidato Bolsonaro teve no primeiro turno em 2018.

O curto prazo não reserva boas notícias para o governo. A trágica contabilidade de mortes não dá trégua, a vacinação ainda demora um pouco para engatar definitivamente e a previsão para os resultados da economia em fevereiro e março não é das mais brilhantes. Mas, atenção, os números econômicos de janeiro foram melhores que as previsões (leia). E volta agora (algum) auxílio emergencial.

Vamos aguardar para ver quanto vai durar esse curto prazo. Se vai ser curto mesmo, ou nem tanto. E vamos olhar para ver como a política se comporta com a tempestade chacoalhando o barco.


terça-feira, 16 de março de 2021

PIB e emprego

Em meio às más notícias dos números crescentes de casos e mortes pela Covid-19, os últimos dados da economia trazem algum alento, ainda que nem de longe compensem a trágica perda de vidas. Ontem, a prévia de crescimento do PIB de janeiro, segundo índice projetado pelo Banco Central, ficou em 1,04%, bem acima das previsões do mercado (leia). 

E hoje os números do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do primeiro mês do ano foram recorde positivo (leia)

As previsões, entretanto, continuam sendo de resultados fracos no trimestre que acaba daqui a duas semanas. A expectativa é que melhorem com a volta do auxílio emergencial em abril. E os dados de janeiro, numa hipótese otimista, podem indicar que a retomada do mercado de trabalho talvez amorteça o efeito negativo da queda do valor do auxílio.

Aguardemos. Do Caged de hoje, ressalte-se a boa criação de empregos na indústria. O dólar a quase R$ 6,00 é ruim para as importações e para a inflação, mas é bom para a substituição de importações e para as exportações. Ganham as commodities e a indústria. O que é crise para uns é oportunidade para outros.

segunda-feira, 15 de março de 2021

Com firma reconhecida

Documento oficial do governo americano informa que os Estados Unidos atuaram (ainda atuam?) junto ao Brasil para evitar que usássemos (usemos?) vacinas russas contra a Covid-19 (leia). Aparentemente, essa pressão tem sido feita sem a oferta de contrapartidas. Por exemplo, os americanos poderiam oferecer-nos vacinas deles em lugar das do concorrente geopolítico.

Pressões desse tipo são esperadas num ambiente global de acirramento das disputas. A principal hoje é entre os Estados Unidos e a China, mas a polarização entre americanos e russos também vai adquirindo desenhos assemelhados aos da Guerra Fria, que durou do pós-2a. Guerra até o colapso e a consequente  extinção da União Soviética.

Mas não é normal que o poder de barganha de um país esteja tão diminuído para uma pressão desse tipo não vir acompanhada de ofertas compensatórias. Afinal, vacinar os brasileiros deveria em teoria interessar ao mundo todo. Ou, pelo menos, ficar bem com o Brasil deveria ser do interesse do ocupante da Casa Branca, qualquer que fosse ele.

O debate político aqui dentro vai muito aquecido, com cada jogador tentando tirar o máximo proveito da desorganização no combate à Covid-19. Parece faltar, entretanto, quem esteja pensando antes de tudo no interesse nacional. E o interesse nacional é um só. Ter e aplicar o maior número de doses de vacina no menor tempo possível.

sábado, 13 de março de 2021

Mar das dúvidas

A decisão do ministro Edson Fachin de anular as sentenças contra Luiz Inácio Lula da Silva, por considerar que as acusações não tinham conexão com a Petrobras, deu uma antecipada no calendário eleitoral e acendeu incógnitas na cabeça dos concorrentes do PT em 2022.

O petismo é o único que parece não ter dúvida: se Lula puder concorrer, e quiser, o candidato será ele. E, aparentemente, o PT ainda não deu sinais de estar matutando sobre os detalhes da escolha. Primeiro, vai ser preciso ter certeza de que a decisão de Fachin continua como está.

Pois o jogo ainda corre aberto, como evidenciou a parada no julgamento da suspeição de Sergio Moro pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. E do atual STF nada que venha será surpresa.

Lula parece beneficiar-se momentaneamente de um certo “equilíbrio do terror”. Mesmo se o plenário do Supremo reverter a decisão de Fachin, continuará o risco de a Segunda Turma declarar Moro suspeito, e aí desencadear um terremoto sob os pés da Lava-Jato.

Desta vez um grande.

E com Moro declarado suspeito cairiam também as condenações de Lula.

Se a decisão de Fachin é mantida, e impede-se a Segunda Turma de prosseguir no julgamento da suspeição de Moro, salva-se (momentaneamente?) a Lava-Jato. Mas Lula fica com caminho aberto para 2022. A não ser que volte a receber condenação pelo menos em duas instâncias até lá. Difícil.

E se o STF não reverte o que Fachin decidiu, mas tampouco impede a Segunda Turma de concluir o julgamento da suspeição? Aí juntar-se-iam a fome e a vontade de comer. Qual será a probabilidade de vingar este cenário maximalista?

Tem também a hipótese minimalista. O plenário reverte a decisão de Fachin e a Segunda Turma ou não declara Moro suspeito ou simplesmente não decide nada sobre isso até que passe a eleição de 2022. Será um jeito de tirar Lula de novo da corrida.

Aguardemos. Entrementes, algumas forças políticas quebram a cabeça sobre o que fazer. O movimento mais visível é a tentativa de agrupar o “nem-nem”, os políticos que não querem nem o petista nem Jair Bolsonaro. A dificuldade aí não é saber o que não querem, mas o que querem.

Além do poder, claro.

Se bem que em outros momentos da história agitar uma rejeição foi suficiente para fazer valer alternativas políticas programaticamente nebulosas. Aliás, o Brasil está cheio de casos. O antimalufismo, por exemplo, foi vaca leiteira para muita gente boa por pelo menos duas décadas.

A dificuldade do dito centro parece residir no enigma não decifrado de 2018, e que o levou à catástrofe eleitoral: quando o gato quer caçar dois ratos, como fazer para não escaparem os dois? Desta vez, o discurso “contra os extremos” vai sensibilizar as massas?

Ou seria preferível escolher um adversário principal e apresentar-se como a melhor opção disponível para derrotá-lo? Bem, esse é um problema para os especialistas destrincharem. Enquanto isso, Lula vai agregando simpatias, ou pelo menos reduzindo antipatias, por gravidade.

E tem Jair Bolsonaro. Ele não está num momento confortável em popularidade, mas a agenda econômica parece ganhar tração no Congresso e a vacinação promete entrar em certo ritmo entre este mês e o próximo. E o Brasil inteiro quer que a vacinação funcione.

E tem Sergio Moro, que também está elegível.

E a eleição não é agora. É só em outubro de 2022.

sexta-feira, 12 de março de 2021

Concorrência benigna

Em tempos de pessimismo, dada a realidade crua do números de casos, hospitalizações e óbitos, nada como um pouco de otimismo para equilibrar a balança. Hoje o diretor do Butantan, Dimas Covas, disse que os entraves ao fornecimento de insumos para a produção da CoronaVac foram removidos. E que a entrega do imunizante vai se dar em bom ritmo (leia).

E a Fundação Oswaldo Cruz, com a ajuda do governo federal, conseguiu liberar matéria-prima para produzir 45 milhões de doses de vacinas Oxford/AstraZeneca (leia). Olha só a concorrência benigna. E se cada um dos pretendentes ao Planalto em 2022 se esforçasse para arrumar mais vacinas que os demais? Por falar nisso, o governador da Bahia trabalha para trazer a russa Sputnik V.

Aliás, parece que felizmente superamos a fase das disputas ideológicas sobre a proveniência das vacinas, ou pelo menos estamos perto de superar. Pena que tivemos de chegar aos tristes números de agora para desvencilhar-nos das amarras do preconceito. A única posição razoável sobre vacinas é querer todas. E que, numa situação como a de agora, a urgência seja a prioridade.


Batalha tucana morro acima

Não é frequente eleições presidenciais no Brasil trazerem surpresas. De 1994 a 2014, deu a lógica, pelo menos sobre quem ia ao segundo turno, ou ganhava no primeiro. Foram as duas décadas da polaridade PT/PSDB. Tempos nos quais os apelos “contra a polarização” tiveram pouca acolhida no debate público e na opinião pública. No máximo, viam-se ensaios de “terceira via”, que as circunstâncias invariavelmente acabavam deixando na poeira.

O que mudou em 2018? Jair Bolsonaro desalojou o PSDB da hegemonia no bloco que vai do centro para a direita. É interessante notar que a Lava Jato acabou tendo para os tucanos um efeito mais destrutivo que para os petistas. Varrido do cenário nacional pouco mais de dois anos atrás, o PSDB luta agora para retomar o posto de líder de seu campo, não sem razoável dificuldade. Uma batalha morro acima.

Os tucanos mantêm alguma expressão pelo Brasil em nível estadual, mas à exceção de São Paulo não dá para dizer que o partido tenha capilaridade hegemônica em nenhum outro estado. Um lugar onde mostrava algo parecido com isso era Minas Gerais, mas ali razões históricas conhecidas fazem hoje o PSD de Gilberto Kassab ser o candidato mais forte a ocupar a vaga de eventual partido hegemônico. Inclusive com a participação de ex-peessedebistas.

Situações de crise trazem oportunidades, diz o batido bordão, e o governador João Doria luta com todas as forças para ser o comandante da ofensiva de reconquista tucana. Teve a ousadia de sair na frente nas vacinas contra a Covid-19 e espera colher os frutos no próximo ano. Os fatos dirão. Um problema para Doria? É provável que daqui a um ano e meio, na hora da eleição, as “vacinas federais” já sejam em bem mais quantidade que a “de São Paulo”.

Doria tem um histórico de respeitáveis arrancadas eleitorais. Aconteceu quando concorria para a prefeitura da capital e, depois, ao governo estadual. É um argumento que ele tem usado ao ser confrontado com seus baixos índices atuais de intenção de voto. Há precedentes também na eleição presidencial. Fernando Henrique Cardoso em 1994, Dilma Rousseff em 2010 e Jair Bolsonaro em 2018 partiram de trás. Ainda que não tanto quanto o governador hoje.

Há, porém, uma diferença essencial entre os cenários enfrentados por Doria nas corridas de 2016 e 2018 e a disputa pela sucessão presidencial de 2022. O desafio ali era ocupar um espaço em larga medida desocupado. Nem para a prefeitura nem para o governo estadual, Doria teve de lutar em seu bloco com um Jair Bolsonaro. Os oponentes a ultrapassar eram Celso Russomano e a incógnita entre Paulo Skaf e Márcio França.

Logo no começo do mandato de agora, Doria escolheu abrir, mais cedo do que recomenda a sabedoria convencional, a refrega com o atual presidente. Talvez tenha sido apenas por estilo, ou vai ver o governador avaliou que Bolsonaro se enfraqueceria rapidamente. A favor de Doria está o fato de as arremetidas anteriores dele terem dado certo. Contra, a também certeza de que enfrentar um presidente na cadeira costuma pedir mais frieza quando falta muito para a eleição.

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Publicado na revista Veja de 17 de março de 2021, edição nº 2.729