Num sistema eleitoral flexível e pouco engessado, como o francês, é viável reorganizar rapidamente a estrutura partidária, e isso aumenta a probabilidade de trazer o novo para a contenda real. Também é possível em lugares como os Estados Unidos, onde os edifícios, mesmo mais rígidos, são permeáveis a disputas internas verdadeiras.
Em 2007-08, Barack Obama derrotou Hillary Clinton nas primárias democratas. Em 2015-16, Donald Trump repetiu a façanha de bater o establishment, agora entre os republicanos. Emmanuel Macron elegeu-se presidente da França por um partido realmente novo, e normas elásticas permitem a ele buscar, de modo saudável, uma maioria parlamentar.
Entre nós, os passeios intelectuais em torno do "novo" costumam ignorar que, no Brasil, as estruturas partidárias são protegidas da concorrência externa, pelo oligopólio das verbas e do chamado "tempo de televisão". E também da concorrência interna, pelo monopólio de poder dos caciques dentro das legendas. Aqui ninguém derruba no voto direção de partido.
A consequência: os ensaios sobre certo novo para 2018 pouco mais são que estratagemas do velho para aparecer com cara de novo. O fenômeno não é simples, carrega contradições internas, há sim no ar um componente de renovação, mas nossa tendência atávica ao farsesco nunca deve ser subestimada. É o que a história nos ensina. E ela se repete.
Vamos à vida real. Suponhamos que o PT, assustado com a rejeição a Lula, decidisse procurar um nome completamente imunizado contra os graves problemas que afetam a imagem do partido. E suponhamos que encontrasse. Para ser realmente novo, a esse candidato não bastaria não ser Lula, ele precisaria atacar Lula, romper com Lula para ter credibilidade.
Vale o mesmo para o PSDB. Qualquer novo que se pretenda imaculado mas não rompa com quem está acossado pela Lava-Jato será olhado como farsante, um cavalo de troia, novo por fora mas que carrega o velho dentro da barriga. Uma vez transpostos os portões do Planalto, o cavalo trataria de despejar em palácio o poder de sempre. Mais um estelionato eleitoral.
Mesmo considerando a influência de uma imprensa progressivamente militante, não será portanto simples a missão de quem precisa vender o velho como novo. Estamos na era da internet e tudo que é sólido se desmancha no ar com rapidez. Para emplacar como novo, o candidato precisará convencer de que vai mesmo romper com o velho.
E um candidato assim tem chance de ganhar? A mediocridade econômica estimula a mudança, mas a queda da inflação amortece a possibilidade de uma rebelião. A Lava-Jato vai firme, mas há o "risco reality show": na hora de cuidar da vida, talvez as pessoas prefiram mudar de canal. E a resiliência do establishment político empurra o novo para os extremos.
Quem explicaria melhor a situação do novo seria José Ortega y Gasset, que um dia disse: "Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo". Ou seja, não haverá como o novo divorciar-se de suas circunstâncias. A tentativa de fazer da eleição uma disputa entre o velho e o novo tende assim a ser rapidamente soterrada pela disputa de blocos.
Muitos bits e bytes serão ainda consumidos em cortinas de fumaça, mas ao fim e ao cabo não haverá como o país escapar da discussão que conta: para retomar a atividade econômica, criar empregos, distribuir renda, melhorar a saúde, a educação e a segurança, é melhor aprofundar as políticas de Temer ou voltar às políticas de Lula?
Não que as políticas de Lula, em particular no período 2003-06, tenham sido fundamentadas em princípios antagônicos aos que sustentam o programa de Temer. Mas isso importa menos. Na cabeça do povo, o antagonismo é entre o que se fez no governo de Lula e o que se faz no governo de Temer. Nenhum candidato escapará de remar nessa corredeira.
E a escassez de recursos das campanhas, com o amadurecimento forçado da consciência popular após anos de Lava-Jato e guerra política aberta, vai diminuir o espaço para mistificações e tentativas de engambelar o distinto público. Pode parecer otimista, mas é o que tende a acontecer.
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