domingo, 28 de maio de 2017

O que falta, nesta crise específica, para uma correlação de forças decisiva

As guerras são decididas quando se chega a uma correlação de forças decisiva. Aí, ou um lado capitula ou sabe que será subjugado, antes de precisar capitular. Também pode acontecer a destruição pura e simples de quem ficou em desvantagem. Dizem que Churchill tomou um porre, homérico até para os padrões dele, quando o Japão atacou Pearl Harbor. Foi uma celebração. Ele entendia de correlação de forças.

Inverta-se a máxima de Clausewitz, e olhe-se a política como uma guerra, apenas que por outros meios. Temer só sairá em consequência de uma correlação de forças decisiva. Como aconteceu com Collor em seu tempo e com Dilma mais recentemente. O presidente entrou em imponderabilidade. Está caindo, ainda que pareça flutuar. Mas o desfecho do processo depende de um certo "alinhamento de astros".

A crise política dos últimos anos no Brasil pode ser descrita como uma macroconjuntura de conflito que envolve quatro grandes exércitos. Eles alinham-se (é "alinham", não "aliam") conforme a microconjuntura. Não têm necessariamente tamanhos equivalentes e serão nomeados aqui, para simplificar (e toda simplificação é um risco), como: o da 1) Direita, o da 2) Esquerda, o da 3) Lava-Jato (lato sensu) e o da 4) Imprensa.

Dilma caiu porque em certa hora alinharam-se contra ela três dos quatro, e o que sobrou estava muito enfraquecido para resistir sozinho. E veio um presidente a favor de quem houve um certo arranjo de dois dos quatro. O derrotado passou a ser contra, e a Lava-Jato prosseguiu em seu objetivo de subjugar os dois primeiros ("refundar a república"). Era uma conjuntura instável, pela precariedade do alinhamento.

Eis por que o governo Temer começou em meio a turbulências. Mas a análise fria indicava que o alinhamento das forças lhe permitiria aprovar em algum grau as reformas econômicas liberais. Para o novo bloco governante, elas eram (e continuam sendo) a esperança de uma retomada e, portanto, de construção de uma candidatura continuísta para 2018. Com o candidato que tenha sobrevivido à ação do terceiro exército, a Lava-Jato.

E a coisa estava indo, aos trancos e barrancos, conforme o plano, até que uma nova megadelação desestabilizou o arranjo. Pois um presidente ferido é ameaça à agenda. E um presidente todo encrencado será um passivo e tanto a carregar até 2018, e em 2018. Como é que o candidato do exército da Direita vai atacar "a corrupção do PT"? Um Cavalo de Tróia não pode ter a barriga transparente e as vísceras à mostra. Não funciona.

É visível uma certa bagunça. O exército da Direita, pela primeira vez em três anos, desarquiva a "defesa do estado de direito" e passa a atacar as delações, que enquanto desorganizavam principalmente o da Esquerda eram intocáveis. O da Imprensa, normalmente coeso, divide-se por tensões nascidas de disputas internas, e de janelas de oportunidade na batalha particular por ganhos de imagem, essenciais no negócio.

Do outro lado, o exército da Esquerda não tem como se alinhar contra Temer sem medo de ser feliz, pois não controla um movimento que pode levar à inelegibilidade de seu principal ativo para 2018. Mas tampouco pode enfileirar-se de peito aberto com o da Direita, pois não haverá garantia de que um suposto acordo de "blindagens" e elegibilidades será cumprido. Juscelino apoiou Castelo na indireta e foi cassado logo depois. #ficaadica.

A eleição de 1965 não aconteceu. Apesar das paranoias, isso não vai se repetir agora. O objetivo principal do exército da Esquerda é que Lula possa disputar. Na Direita, impedir que Lula dispute e, depois da J&F, evitar que a eventual gangrena se transforme em septicemia, pondo a perder 2018, mesmo com alguma recuperação econômica. E outro problema: como resolver agora sem acertar também a configuração para 2018?

Em meio ao desarranjo e aos desalinhamentos, Temer vai ficando. Tenta fazer andar a agenda congressual para mostrar-se essencial à Direita e manter dividida a Imprensa. E conta com a dúvida da Esquerda sobre se vale a pena derrubá-lo e ver o surgimento de um novo nome, que poderá na cadeira ser a melhor solução para a continuidade. E vitaminar a Lava-Jato continua não interessando à Esquerda. Pelos motivos já conhecidos.

O problema do Planalto é a insustentabilidade do "vai ficando". Pois, para complicar, o terceiro exército está à toda.

Um comentário: