segunda-feira, 5 de junho de 2017

Temer aposta no bloqueio institucional, mas sempre é possível cortar o nó górdio

A Constituinte de 1988 tratou de blindar o poder civil e a soberania popular contra forças disruptivas externas. Em palavras mais simples, cuidou de proteger os políticos contra os militares e a polícia, pois no período anterior estes haviam sido o instrumento para suprimir, com menos ou mais violência, adversários e até aliados do sistema de 1964.

De lá para cá, correndo em paralelo, veio a deslegitimação e subsequente criminalização da influência do dinheiro na política. Foi o caldo de cultura para florescerem mecanismos criminosos que combinam, natural e teratologicamente, o financiamento político-eleitoral clandestino, fonte de abuso de poder político e econômico, e o enriquecimento pessoal.

Aí veio a mais longa e profunda recessão no Brasil. No ocaso do regime militar houve uma parecida, apesar de menor, a população perdeu a paciência e o governo foi derrubado pelos políticos. Agora os militares estão fora, então uma facção política derrubou a outra, na esperança de 1) animar a economia e, assim, 2) conter a polícia e os promotores.

Mas a Lava-Jato é mais ágil que o transatlântico da economia, o governo carece de apelo popular e o plano não vai bem. A Lava-Jato já demoliu ou abalou os alicerces de todo o núcleo palaciano. E o presidente conseguiu o impensável: perdeu a imunidade, no início por imprudência, ao se deixar gravar, e depois por desorientação, nas entrevistas subsequentes.

E chegamos à situação em que o presidente precisa recorrer àquelas blindagens constitucionais, agora contra a ação do Ministério Público e da Justiça. Fosse popular, poderia mobilizar as massas em sua defesa, mas não dispõe do recurso. Resta-lhe então apostar no impasse, manobrar nos tribunais e trabalhar na Câmara dos Deputados para manter um terço.

Um governo conseguiu chegar ao fim assim, o de Sarney. Mas ali havia um detalhe. Não derrubá-lo era um pacto não escrito e silencioso das forças políticas. A redemocratização vinha muito recente, havia cuidado coletivo para não fragilizar o poder civil. Sarney foi beneficiário dessa circunstância. Teve de lutar na Constituinte pelo tamanho do mandato, mas foi só.

A estratégia que resta a Temer é bloquear as saídas, e é onde estamos. Ele dispõe ainda de força para ao menos protelar a decisão do TSE, e tem ainda gordura para queimar na Câmara. E é ajudado pela resistência do mundo político a entronizar alguém que possa desarrumar o tabuleiro já arrumadinho para 2018. E, por enquanto, há certa apatia popular.

Isso não é sustentável indefinidamente. Mas o governo trabalha. O casco está furado, e ele reage jogando baldes de água para fora do barco. Força votar a redução de direitos trabalhistas e previdenciários para manter apoio empresarial e, em consequência, alguma neutralidade de setores da imprensa. E não precisa resistir para sempre. Só até o ano que vem.

E ainda conta com a resistência de PSDB e aliados a saírem do governo, ao qual levaram década e meia para voltar. É uma resistência primal, ainda que embalada em "patriotismo". Mas um ano e meio de desgaste já contratado é muita coisa. E o PSDB sofre. E a economia não resolve tudo. Em 1984, o governo Figueiredo desmanchou quando o PIB crescia 5,4%.

Onde está o risco para Temer? Não principalmente nos adversários, mas nos aliados. Para viver, ele precisa evitar que o PSDB seja para ele o que ele foi para Dilma. Precisa bloquear uma alternativa aceitável para o PSDB. Uma opção que garanta ao PSDB disputar 2018 com máquina eleitoral suficiente para, apesar dos pesares, atrair apoios e manter isolado o PT.

Em teoria, pode funcionar. Mas aí entra aquela variável sempre lembrada por Ulysses Guimarães: sua excelência, o fato. E fatos costumam ser teimosos, como advertia Lenin, ao recorrer a um ditado célebre nos Estados Unidos. As semanas recentes lembraram disso a quem havia se esquecido. Eis por que a sustentabilidade do "vai ficando" é declinante.

Se a correlação de forças é decisiva, sempre se dá um jeito. Aparece um Alexandre para cortar o nó. Se há a alternativa, a Câmara tende a aderir. Aconteceu com Collor e Dilma. Pode até haver soluções originais. O próprio STF pode, por que não?, considerar inválido o item da Carta que exige autorização legislativa para o presidente ser processado por crime comum.

É bom ficar de olho.

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