segunda-feira, 5 de março de 2018

A intervenção na segurança do Rio já é um sucesso de comunicação. Vamos aguardar os reflexos na política.

É pueril criticar governos que governam criando fatos comunicacionais. Governar é decidir e saber comunicar a decisão. Há poucas coisas mais ingênuas, ou espertalhonas, que dizer “o governante deve ser um gestor”. Trata-se de uma tautologia, pois gerir é liderar e comunicar. E voltamos à ideia-matriz deste parágrafo introdutório.

Depois disso, que no jornalismo é chamado nariz-de-cera, vamos ao que interessa: a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro já é um sucesso de comunicação político-governamental. Não sei se a avaliação de Michel Temer deixou o fundo do poço, mas o ambiente sofreu uma mudança sensível. Pelo menos o ambiente jornalístico em torno do governo.

Recapitulando. Quando interveio no Rio, Temer estava na véspera de perder a votação da reforma da previdência. A certeza dessa derrota nasce de um fato: por que o governo não esperou alguns dias para decretar a intervenção? A tal “situação crítica” não era nem mais nem menos crítica que o habitual. Não havia nenhum “caos” inédito na rua. Talvez no noticiário. A tal comunicação.

Derrotado na previdência, ou se ela deixasse de ser votada por falta de votos, o governo entraria numa dinâmica ruim. Os analistas econômicos anunciariam o fim dos tempos, a oposição celebraria uma vitória, o noticiário seria tomado pela eleição e os atuais donos do Palácio do Planalto e da Esplanada dos Ministérios ver-se-iam às voltas com o clássico cafezinho frio.

A jogada de mestre (sem aspas, foi de mestre mesmo) mudou o cenário. Governantes que pareciam destinados ao ostracismo jornalístico passaram a ser novamente assediados em busca de lides e manchetes. Veio a profusão de entrevistas e a produção em massa de coisas noticiáveis. Generais sentiram-se autorizados a exigir coletivas só com perguntas escritas.

Os custos humanos vão sendo empurrados para fora do notíciário.

E o mercado não parece estar nem aí pela previdência não ter ido a voto.

Há críticas, é claro. Constituiu-se uma oposição ideológica à intervenção, pela esquerda e pela direita. Essa resistência dará frutos no médio e longo prazos, quando vier o cansaço com a coisa e se verificar que ela não deu resultados espetaculares. O cálculo das Forças Armadas é estar fora dali quando tal momento chegar. O do governo, é a eleição já ter passado.

No curto prazo a coisa está funcionando. O céu pode ainda não ser de brigadeiro, mas ficou algo azul. O objetivo imediato de comunicação foi atingido, com a volta do “tem que dar certo” do Plano Cruzado. A intervenção no Rio ajudará o governo a sobreviver até dezembro e a aumentar sua influência no processo eleitoral. Do ângulo do poder, é uma conquista.

Mesmo as eventuais complicações neste início poderão ser explicadas pelo remédio não ter sido dado em maior dose. Pela falta, por exemplo, dos mandados coletivos de busca e apreensão. Ou por os soldados não poderem atirar em qualquer um que esteja indevidamente armado. O tratamento preconizado a combatentes inimigos numa guerra.

Outra coisa pueril em política é subestimar governos. Mesmo em estado terminal, eles têm poder de fogo, e às vezes é letal. Sarney estava politicamente desenganado em 1989, aí inventou a candidatura de Silvio Santos, articulada pelos aliados Edison Lobão, Marcondes Gadelha e Hugo Napoleão. Se a Justiça não tivesse bloqueado, tinha bagunçado bem a eleição.

O objetivo político-comunicacional imediato da intervenção no Rio foi atingido. Ao mostrar iniciativa num tema muito sensível ao eleitor, e mais sensível ainda ao eleitor mais pobre, Temer recolocou-se no jogo. O ridículo da Tuiuti já é história. Se vai ser candidato, se vai lançar outro nome pelo MDB ou se vai emplacar o vice numa chapa mais forte, são detalhes. Os fatos dirão.

As pesquisas imediatas podem até ser algo decepcionantes, mas isso não deve iludir. Privatização e austeridade fiscal não são populares, mas a caça aos bandidos é. Temer deu um gás à narrativa da direita para este processo eleitoral, e subestimar será um erro. É visível, aliás, que a esquerda ainda não encontrou uma resposta adequada ao novo cenário.

*

Da entrevista de Lula à Folha de S.Paulo deduz-se que o PT terá ou apoiará um candidato, e que estará aberto ao diálogo com os que eram seus aliados e hoje são aliados de Temer. Há porém um problema: pela primeira vez desde 1998, o PT está isolado. E quase sem máquina. Em 1989 tinha a prefeitura de São Paulo, e em 2002 também. Sem falar de 2006, 2010 e 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário