quarta-feira, 7 de março de 2018

Uma eleição sem spoilers

A coisa está mais para Walking Dead do que para House of Cards

A conjuntura mostra uma aparente assincronia entre os movimentos da política e do eleitorado. Os atores produzem fatos e factoides em ritmo 24x7x365, para ocupar o noticiário e manter o alvoroço de uma opinião pública que beira a dependência química.

Por enquanto, o eleitor parece não estar nem aí. Não há movimentação substancial nas pesquisas de intenção de voto, como mostrou a CNT. Não tem gente na rua. E a Lava-Jato vai deixando de ser tema da mesa do bar.

Pelo jeito, o cidadão/eleitor decidiu dar um tempo. É esperado que volte a prestar atenção nesse "Show de Truman" quando estiver chegando a hora de votar. Até lá, os candidatos e os profissionais da eleição têm um hiato para construir narrativas. E matéria-prima não vai faltar.

A federação de pequenos (ou não tão pequenos) déspotas em que o Brasil se transformou é uma usina de alta produtividade. Tem notícia toda hora, e para todos os gostos e lados.

Um elemento-chave da vitória do PT nas quatro últimas eleições foi a dificuldade de os adversários construírem narrativas com começo, meio e fim. Em 2014, ensaiou-se algo diferente, mas o ensaio acabou soterrado com rara competência. Também, mas não só, pela brutal disparidade de forças a favor do petismo. Foi o canto do cisne.

Este ano haverá disputa real entre dois discursos, com outros menos cotados lutando para conseguir uma beirada de atenção.

Teremos finalmente candidatos de direita. Defenderão o capitalismo na economia, o conservadorismo moral e muita dureza contra o crime. Parece que já encantam pelo menos uns 25% do eleitorado. É provável que seja mais.

Se o PSDB mantiver algo de seu tradicional discurso social-liberal, talvez essa aritmética possa ser lida na urna com alguma clareza. É a esperança dos analistas e politólogos mais preocupados em entender que em influir.

Na esquerda, o discurso básico também está pronto. Será o de sempre. A humanização do capitalismo, a proteção do país contra outras ambições imperiais, o protagonismo das lutas identitárias, e políticas públicas para alternativas ao mercado do crime.

Isso tem o apoio de cerca de um terço do eleitorado, autodefinido progressista, em oposição ao dito regressista. O PT quer manter a parte do leão desses votos, mesmo sem Lula. Mas outros se apresentam.

Claro que tudo deverá estar embalado para consumo de massa, com a ajuda das cores vibrantes proporcionadas pela Lava Jato, pela recessão, pelo impeachment, pela crise venezuelana, pela intervenção no Rio etc.

Espera-se também a entrada em cena dos vários matizes do autodeclarado centrismo, à esquerda e à direita. Que buscarão fazer cada um a sua colagem, escolhendo em cada gôndola o que mais convém. E terão o trunfo do apelo contra o radicalismo.

Há algumas variáveis críticas a monitorar daqui até outubro. Em que proporção o eleitor cansado da política escolherá um candidato, ou decidirá protestar não votando em ninguém? Em que medida um impedido Lula transferirá votos? O PSDB e o governo/MDB vão se juntar? Se sim, quando? Lipoaspirar Bolsonaro vai ser fácil ou difícil? Como estará a economia na hora da definição do voto? Quem mais, além de Lula, será impedido de concorrer?

Lamento pelos ansiosos.

Se nunca é cedo demais para chutar, ainda é muito cedo para ter as respostas. Você tem paciência para ver séries? Curte apreciar cada episódio, ou assiste direto o último? Encare dessa maneira e o ano será mais leve e divertido. Até porque os episódios desta eleição não estão ainda todos disponíveis na rede. Vai ser semana a semana. Mais para The Walking Dead do que para House of Cards. Inclusive na história e nos personagens.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

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