terça-feira, 13 de março de 2018

“Fake news” é fake news

Acontecerá no debate sobre as “fake news” o mesmo da polêmica dos transgênicos. Aos poucos, o assunto deixará as manchetes e escorregará para a irrelevância. Com o tempo, ficará evidente que, assim como no caso dos organismos geneticamente modificados (OGM), as “fake news” são menos uma ameaça real à saúde da democracia e mais uma desculpa para impulsionar certas agendas políticas e comerciais.

“O risco dos transgênicos” resiste nos bolsões de obscurantismo acadêmico e de corporativismo burocrático, mas deixou de ser notícia. Por um motivo singelo: após décadas de dramáticos alertas sobre os gravíssimos riscos corridos pelos consumidores de comida geneticamente modificada, não se conhece nenhum caso real de dano à saúde. No Brasil, a soja transgênica é o exemplo mais impactante. Se ela não fosse saudável, seríamos um povo à beira de extinção.

Era esperado que o debate dos OGM acabasse assim. A engenharia genética apenas faz mais sistemática e rapidamente as mutações que a natureza já produz sozinha desde o surgimento da vida na Terra. E, na digestão, as moléculas naturais e artificiais são igualmente quebradas. E já que os componentes são os mesmos, acaba não havendo diferença entre comer a comida produzida por D’us ou pelo homem.

A mentira existe desde que o ser humano passou a se comunicar. Com a internet, ela se propaga mais rapidamente. Mas não há nenhum fato, número ou evidência de que mentir na era da internet tenha ampliado os efeitos do ato de mentir. Há opiniões, palpites, certezas subjetivas politicamente interessadas. Há uma histeria artificial sobre o tema. Assim como no caso dos transgênicos, prova não há nenhuma.

Vamos recapitular. Donald Trump derrotou Hillary Clinton no colégio eleitoral, contrariando 99,99% das previsões. Sabido o resultado, ainda houve algumas tentativas jornalísticas de entender o acontecido. Rapidamente porém esse ensaio foi substituído pela narrativa que a Casa Branca democrata pôs a circular: de que a vitória trumpista fora resultado de uma conspiração com os russos. Entre outras coisas, com os amigos de Putin espalhando notícias falsas pela rede.

Só podia ser verdade. Afinal, não era possível os jornalistas e analistas sabichões terem se enganado tão estupidamente. Daí a refugiarem-se todos na zona de conforto foi um passo. E essa passou a ser a verdade oficial. Ou a mentira oficial. Que no ranking de fake news produzidas pela Casa Branca neste século só é páreo, até agora, para as armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Em tempo de guerra, mentira como terra, diz o velho ditado.

Na era das “narrativas”, não custa nada raciocinar de vez em quando. Os gastos com propaganda nas eleições americanas andam sempre na casa dos muitos bilhões de dólares. Se fosse possível convencer o eleitor americano flutuante, e decidir a eleição de presidente dos EUA, gastando apenas alguns milhares de dólares no Facebook, as ações da empresa de Mark Zuckerberg valeriam provavelmente bem mais que a soma de todos os outros papéis da Nasdaq.

O próprio Trump deu um gás na bobajada quando carimbou “fake news” na testa da CNN, e, depois, do resto dos veículos que lhe fazem oposição. E a expressão colou. Aí entrou em cena mais uma esperteza. A imprensa profissional viu a janela de oportunidade para vender a tese de que, num planeta gravemente ameaçado pela difusão de notícias falsas, só o jornalismo profissional merece a atenção de quem busca informação confiável.

Ninguém nunca perdeu dinheiro superestimando a ingenuidade alheia, a estratégia comercial é legítima, e acredita nessa fantasia quem quiser, mas talvez a imprensa esteja atirando no próprio pé. Pois o combate à “grave ameaça das fake news” tem tudo para tornar-se uma ofensiva de censura e restrição da liberdade de expressão. Quando se chama a polícia para reprimir a mentira, ou a suposta mentira, o resultado nunca é bom.

Um dia esse assunto simplesmente desaparecerá, mas o problema são as vítimas que deixará pelo caminho. Na boa, é mais negócio defender o direito de todos mentirem quanto quiserem. Se for esse o preço a pagar pela liberdade, é um preço barato. Até porque, convenhamos, sempre que alguém está muito preocupado em proibir a mentira alheia, é bom verificar se o dito cujo não quer mesmo é a prerrogativa de mentir sozinho.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

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