segunda-feira, 21 de maio de 2018

Pressões para o PT apoiar Ciro são peça de um jogo maior: viabilizar o centro, mas pela esquerda

Uma parte conhecida do jogo político é o sistema de gôndolas. Os grupos sociais, hegemônicos ou subordinados, buscam alternativas nas facções políticas, para construir as maiorias eleitorais ou parlamentares indispensáveis à concretização dos chamados projetos de poder. Como quem escolhe produtos na gôndola do supermercado.

Assim, as facções político-parlamentares deslocam-se conforme sopra o vento, de olho principalmente na própria sobrevivência imediata. É um fenômeno que na literatura clássica recebeu o nome de cretinismo parlamentar. A força do desejo vai produzindo uma cegueira progressiva para o que existe fora do microcosmo. E o curto prazo esmaga o longo.

Claro que isso tem um custo, para quem flutua: logo à frente ele é descartado, e na primeira oportunidade, conforme deixa de ter utilidade. Mas o pássaro na mão costuma ser suficientemente tentador para desestimular a troca pelos dois que voam. E o ritual se repete em ciclos, sempre com novos atores. Não costuma faltar produto na gôndola.

Talvez estejamos vivendo um desses momentos. O nó da eleição está no fato de o establishment não ter um candidato que, ao mesmo tempo, empolgue a massa e se comprometa com a continuidade estrita do programa econômico e geopolítico do governo Michel Temer. Já se tentou de tudo. Ou, pensando bem, quase tudo. Ainda existem pelos menos duas cartas na manga.

Já se tentou construir a alternativa por dentro do governo Temer. Ela viria na onda do sucesso da economia e teria o nome de Henrique Meirelles. Mas a onda parece ser fraca, e politicamente quebrou cedo. E se viesse forte o presidente perguntaria, como perguntou: “por que não eu?". Então a coisa anda mal parada, tanto que a especulação passou a ser Meirelles vice.

Teve também a fase do novo. No começo era Luciano Huck, o que faria os liberais se conectarem ao povão pela primeira vez desde o Plano Real. Mas faltou couro grosso. Na hora h o astro percebeu que a relação entre o benefício e custo não seria boa. Huck precificou o risco e a inteligência prevaleceu sobre a vaidade. E ele caiu fora. Como Joaquim Barbosa depois.

A fraqueza do governo e o esvaziamento dos ensaios de novidade abrem uma nova janela de oportunidade para o PSDB. Bem ou mal, Geraldo Alckmin roça os dois dígitos, o partido tem musculatura, experiência com alianças políticas, tradição de algum diálogo com os adversários e a confiança absoluta do establishment. É, sem dúvida, a primeira carta na manga agora.

Alckmin e o PSDB enfrentam vento contra, por serem de algum modo sócios-fundadores do governo Temer e não estarem imunes aos estilhaços da Lava-Jato. É um erro pensar que o PSDB está fora do jogo, mas o partido e o candidato vão travar uma batalha morro acima. Além de tudo tem Bolsonaro e mais um punhado de gente no pelotão que disputa os votos da direita.

O establishment nunca aposta num único cavalo. E se Alckmin não decolar? Marina Silva parece frágil, e Bolsonaro é risco sério de derrota num segundo turno contra a esquerda. Álvaro Dias ainda precisa provar competitividade. Por que então não voltar ao supermercado e procurar uma esquerda que dê tonalidades populares a essa coisa de centro? Lula poderia ser isso, mas está fora.

Então por que não Ciro Gomes? Uma aliança com Ciro representaria para o PT a possibilidade de recomposição com o establishment, mas numa posição subordinada. Faz sentido para os governadores candidatos à reeleição. E faz sentido para petistas com perfil para a vice de Ciro. Mas não faz tanto sentido assim para Lula, que antes de tudo quer continuar mandando na própria tropa.

E o PT está preso a Lula, porque é ele quem tem os votos. E enquanto tiver isso estará politicamente vivo, mesmo preso. Ou seja, o preço que o establishment cobra para apoiar a esquerda, a morte política de Lula, é proibitivo para quem na esquerda tem garrafas para entregar, o próprio Lula. Esse é o principal complicador da segunda carta na manga.

Há sempre a alternativa de isolar o PT e tentar construir uma aliança apresentável como de centro-esquerda. O risco, como aconteceu em 2014, é direita e esquerda se juntarem taticamente para neutralizar o risco da quebra da polarização clássica, ou de repaginação da polarização.

E segue o jogo.

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