segunda-feira, 4 de junho de 2018

A fratura entre a direita liberal e a base social antipetista injeta incerteza na sucessão

A greve dos caminhoneiros foi uma batalha entre o governo e a base social dos grupos que sustentam o governo. Quando a esquerda quis entrar, parando a Petrobras, percebeu não ter convite para a festa. O Planalto, mesmo enfraquecido no limite da sobrevivência, arrancou do TST medidas brutais, e os petroleiros recuaram para não serem esmagados.

A esquerda não conseguiu nem ser coadjuvante do drama, e por razões sabidas. Está social e politicamente isolada desde as mobilizações anti-Dilma. Lula lidera as pesquisas com um terço da preferência mas nos outros dois terços o antipetismo viceja. E os movimentos sociais da esquerda têm sido incapazes de colocar na rua gente além deles mesmos.

Mas a esquerda mantém possibilidade de ganhar em outubro, e a greve dos caminhoneiros mostrou por quê. O movimento expôs a fratura entre a direita liberal e a base social alimentada ao longo de anos pelo antipetismo. São dois indivíduos que habitam universos distintos, com representações mentais diferentes, e crescente dificuldade de intercomunicação.

Num universo, aumentar diariamente, ou quase, os combustíveis justifica-se para alavancar a lucratividade da Petrobras e remunerar bem os acionistas. Para evitar o populismo. Independente das consequências. No outro, quebra-se a cabeça para descobrir um jeito de trabalhar, lucrar, progredir ou pelo menos sobreviver num ambiente assim.

Vamos a um exercício de marketing eleitoral básico. Debate presidencial. O candidato do centro defende a política de preços da Petrobras, fala da Venezuela, etc. Daí o adversário pergunta: “Bem, se você defende que a gasolina e o diesel aumentem todo dia, defende também que as passagens de ônibus aumentem todo dia? Pois os ônibus rodam com esse combustível".

A esquerda está mergulhada em suas próprias confusões, entre elas a ilusão de que a prisão de Lula oferece a oportunidade de uma disputa interna pela hegemonia. Mas tem chance de voltar ao Planalto, pois a direita liberal está crescentemente desconectada da realidade. E outro sintoma disso é ela ter regredido à ideia de que a questão social é caso de polícia.

Regrediram cem anos em três, voltaram à República Velha. Reduziram a maciça parada de caminhoneiros a locaute de empresários. Nas análises mais delirantes, advertem que estivemos à beira de um golpe contra as “instituições democráticas”. Seria só maluquice inócua se não embutisse uma lógica perigosa, diante dos quase 90% da população que apoiaram a greve.

Olha aí uma janela de oportunidade para Bolsonaro. Seu desafio é romper a barreira dos 20%. O Lula da direita tem eleitorado fiel, mas parece estancado. Com alguns ajustes de discurso, tem possibilidade real de virar digerível aos eleitores que abominam o PT e a esquerda mas resistem ao papel de ratos de laboratório no experimento ultraliberal.

Novidade? Não. Basta ver o que vai pelo mundo. Os liberais e social-democratas perdem terreno aceleradamente para o nacionalismo de direita e, em escala menor, para a esquerda clássica. Eleição após eleição o quadro se repete. O eleitor médio está em busca de proteção estatal. Quem tiver essa mercadoria para oferecer leva vantagem. Quem não, sinto muito.

É bom prestar atenção aos fatos, mesmo que eles soem desagradáveis. A rejeição a Lula e ao PT declina. Assim como a resistência a Bolsonaro. O eleitor quer liberdade econômica, mas também ser protegido dela. É contra a intolerância, mas quer segurança. Prefere a democracia, mas uma em que a política seja permeável ao povo, e não uma ditadura da opinião pública.

A fratura exposta entre a superestrutura política e intelectual do liberalismo brasileiro e esse eleitor médio é o que injeta incerteza na sucessão presidencial. Estamos a cinco meses da decisão e não sabemos nem direito quem serão mesmo os candidatos. Isso não é obra do acaso. A greve dos caminhoneiros mostrou para quem quis enxergar.

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O STF ressuscitar a possibilidade de reimplantar o parlamentarismo sem plebiscito mostra que no Brasil tudo tem limite, menos a insensatez.

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