quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Um olhar sobre o cenário pós primeiro turno. E a contradição entre o frentismo e a narrativa.

1) Finalmente acabou a Nova República

O primeiro turno fechou a era da Nova República, inaugurada em 1985. Os dois pilares básicos dela finalmente ruíram: o governo dos políticos e a política no governo. O frentismo centrista neste segundo turno é exigido do PT apenas como gesto de capitulação final. Pois não se exige o mesmo do nome do PSL. O vetor dominante agora é antifrentista. A hora é dos bonapartes.

2) Próximo movimento será o Executivo retomar o Poder Moderador

O Brasil já teve um bocado de Constituições, mas nunca deixou de ter um Poder Moderador, como o imposto desde D. Pedro I. Quando Executivo e Congresso foram para o ralo nos acontecimentos recentes a coisa escorreu para o Judiciário e as Forças Armadas. Se o novo presidente quiser governar mesmo, não ser só um figurante, vai ter de retomar esse poder.

3) Narrativas têm consequências. Frentismo? Difícil

Os criadores da narrativa da “ameaça dos extremos” tiveram mais sucesso na difusão da tese na imprensa do que entre os eleitores. Mesmo com a ideia maciçamente martelada na campanha. Mas se poucos dias atrás o sujeito dizia que PT e Bolsonaro eram ameaças iguais, como explicar agora a necessidade de se aliar a um para derrotar o outro? Complexo.

4) O tsunami pegou em cheio quem estava na praia

Se você tem o poder de provocar um terremoto, não é prudente esperar na praia pelo tsunami. O terremoto começou em 2013 e ganhou intensidade em 2015/16. Agora veio a onda, que atingiu muita gente, mas principalmente quem está no governo central. Quem havia sido empurrado para a montanha, mesmo contra a vontade, teve mais chance de sobreviver.

5) Engenharia de obra feita é fácil. E pode ser útil de vez em quando

O “se” não joga. E depois de a coisa acontecer é fácil falar. Mas se o nome do PSDB fosse de direita raiz, e não nutella, é razoável supor que seria mais competitivo e as bancadas não sofreriam tanto. Retrospectivamente, foi errado Alckmin acreditar na teoria do “candidato de centro”, e foi errado Dória não se apresentar para a disputa política aberta dentro do partido.

6) O apreço pela democracia detectado nas pesquisas é duvidoso

As pesquisas garantem que o brasileiro adora a democracia. Mas talvez não se tenha explicado direito aos pesquisados o que é “democracia”. Qual seria o resultado se se perguntasse algo como “você acha aceitável o governo oferecer cargos aos partidos para eles apoiarem o governo, inclusive no Congresso?" Eu tenho um palpite sobre a resposta.

7) Quem quiser ser candidato em 22 tem de começar já

O debate “TV x redes sociais” ainda corre, e sem que haja evidências definitivas a sustentar as opiniões definitivas. Mas uma coisa é certa. Se a campanha eleitoral de 2018 foi longa, a de 2022 será mais longa ainda. Na real, o segundo turno deste ano já é em certa medida um ensaio para daqui a quatro anos. Quem chegar antes no córrego vai beber água limpa.

8) É possível a guerra política contornar a agenda econômica

Mesmo antes da eleição já se nota alguma convergência nas agendas econômicas, como era previsível -e foi previsto. Mas a guerra política terá combustível de sobra na agenda não econômica. Ensaia-se um cenário tipo Trump. Uma quase guerra civil em assuntos não econômicos mas a economia contornando a confusão, pelo menos até certo ponto.

9) As pessoas falam mal das pesquisas mas continuam obcecadas por elas neste segundo turno.

Um comentário:

  1. Along, considero você um dos poucos analistas políticos dignos e pensantes, sou sua leitora assídua e, independemente de ideologia, depois de muito refletir, decidi votar em Bolsonaro. Abaixo exponho minhas razões:

    Depois de anos de hegemonia esquerdista e do fundamentalismo liberal, faltava uma perspectiva política livre do ideologismo obtuso que, infelizmente, impregnou e dominou o debate nas últimas décadas. Tem algo de irônico e didático no fato de que justamente um membro do baixo clero, alguém tratado pela mídia como mero bufão, como Bolsonaro, acene finalmente para tal possibilidade, tão ausente num cenário político marcado pelo populismo de esquerda e o individualismo selvagem de uma direita que enxerga o mundo pela bitola estreita da tecnocracia.
    Assim, finalmente, o debate político volta a se pautar pela razoabilidade. Em lugar do populismo pernicioso e de bandeiras abjetas como "ideologia de gênero" (com suas consequências sociais visivelmente negativas, sobretudo num país que nem chegou a se civilizar um dia), volta a ganhar espaço a saudável noção de que a solidariedade humana não foi e nunca será prerrogativa de partidos políticos que exploram o discurso populista dos direitos de minorias sem levar em conta os valores efetivamente republicanos, a esfera dos deveres e direitos universais.
    Como resposta ao individualismo selvagem dos fundamentalistas de mercado, volta a se estabelecer a lúcida noção de que as políticas sociais não são um mal em si. Porém, ao contrário do populismo de esquerda, há de se reconhecer o óbvio, que estas devem ser aplicadas de maneira criteriosa, não generalizadas de modo a criar mais desequilíbrios sociais, contribuindo para a perpetuação de privilégios.
    Uma das coisas que me atraiu para a candidatura Bolsonaro, embora antecedida por uma forte barreira de preconceito, foi justamente essa noção. Ao acompanhar uma palestra de Paulo Guedes, vi que, em recusa à obtusidade ideológica que dominou o debate nos últimos anos, finalmente se abria espaço para o resgate de valores fundamentais como o nacionalismo e a solidariedade humana, demonizados pelo fundamentalismo liberal, não sem deixar de combater ao mesmo tempo os excessos do politicamente correto que se tornou uma praga nos últimos tempos.
    Ao se conciliar com uma agenda liberal na economia, isso abre uma perpectiva inédita, altamente positiva para o país. No campo econômico, em vez da demonização das privatizações ou, no outro extremo, de sua percepção como panaceia, finalmente, o reconhecimento racional de que é preciso privatizar empresas estatais com urgência, porém, sem abrir mão de critérios pautados pela sensatez, não pelo ideologismo tacanho.
    Ao refletir a esse respeito, eis que agora deparo com mais uma lúcida declaração de Guedes, responsável pela equipe econômica de Bolsonaro: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/10/guedes-diz-que-e-natural-existir-duvidas-sobre-agenda-de-privatizacoes.shtml

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