Apesar de tudo, o universo da política continua achando mais provável Jair Bolsonaro ficar no Planalto pelo menos até 2022. E tem outra. Depois de Luiz Inácio Lula da Silva voltar à elegibilidade, diminuiu naturalmente o número de quem vê o atual presidente na cadeira até 2026. Diminuiu, mas está longe de ter virado fumaça.
O ambiente anda chacoalhado. Esqueça porém os discursos: os principais atores só estão de olho mesmo é em 2022. Isso seria
apenas o óbvio, não comparecessem dia sim outro também
diante do público para dizer que estamos mergulhados numa tragédia (e
estamos mesmo), e que isso exige medidas radicais imediatas.
De vez em quando, faça como numa dessas reuniões no Zoom, ou no Teams: coloque a política no mudo. Preste atenção
no que os políticos fazem, e não no que dizem. Um exemplo foi o manifesto dos
seis pré-presidenciáveis. Na forma, um libelo pela democracia. Na alma,
apenas um posicionamento para a eleição. Contra Bolsonaro, Lula e possíveis
aliados de cada um dos dois.
Se a prioridade fosse fazer um gesto antibolsonarista, Lula teria sido
convidado. Mas suponhamos que as atribulações jurídicas dele constrangeram os
autores. Então por que não chamaram o Guilherme Boulos? Ele é pré-candidato. Ou
seja, se tirarmos o som, conclui-se que no manifesto a dita fé democrática
apenas encobriu mais uma tentativa de alavancagem eleitoral “contra os extremos”.
Teria sido melhor dizer “olha, somos pré-candidatos, mas
estamos dispostos a juntar-nos em torno de um único nome”. Esta é, aliás,
uma vantagem do atual ocupante do Planalto: as falas dele trazem o que pretendem dizer, não encobrem intenções e não exigem do povo grande esforço de
interpretação.
Querem saber uma razão da estabilidade vivida
pelo governo Bolsonaro, mesmo com a tragédia sanitária e suas consequências
econômicas? Não há consenso entre os adversários de que qualquer coisa é preferível a ele na presidência.
E o capitão vai tocando o barco, protegendo e mantendo organizadas suas fileiras,
para resistir e preservar uma musculatura político-eleitoral que o coloque pelo
menos no segundo turno em 2022.
Não que a vida do presidente esteja resolvida. Vamos ver o
que sai da caixinha de surpresas do Supremo Tribunal Federal dia 14, mas se
Lula continuar candidatável espera-se a intensificação do
bombardeio contra Bolsonaro vindo do “centro”, para tentar demoli-lo e
oferecer-se ao eleitorado hoje bolsonarista como única opção contra “a ameaça
da volta do PT”.
Sobre isso, espera-se também um esforço monumental do establishment para convergir o "centro" num único nome.
A política brasileira é cheia de sobressaltos, mas também
tediosamente previsível.
Ah, e uma diferença definitiva entre a situação de agora e a das Diretas Já, citada no "manifesto dos seis". Em 1984/85, os liberais que hoje seriam chamados de centristas aceitaram juntar-se à esquerda. Não consta que alguma vez Ulysses Guimarães, Franco Montoro ou mesmo Tancredo Neves tenham colocado a coisa como uma luta “contra os extremos”.
Era outro tempo. E outro tipo de político.
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Publicado na revista Veja de 14 de abril de 2021, edição nº 2.733
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