As movimentações do poder nos últimos dias permitem pelo menos duas leituras. Uma diz que a troca dos comandantes das Forças Armadas faz parte de certo rearranjo numa ofensiva política do presidente da República. Expressão desse raciocínio é a palavra “golpe” ter dado as caras com assiduidade durante algumas horas.
Em especial no intervalo entre a demissão da antiga cúpula
militar e o anúncio da nova.
Cada um tem sua própria opinião, mas a minha é que talvez tenha sido o contrário. Talvez o movimento presidencial tenha sido essencialmente
defensivo, parte da construção de barreiras protetivas num período em que a
ofensiva é dos adversários ferrenhos, circunstância que sempre embute o risco
de provocar desequilíbrios em aliados não tão orgânicos assim.
O cenário das últimas semanas combina números trágicos e
explosivos da Covid-19, dúvidas disseminadas sobre o ritmo da vacinação,
desconforto sobre o valor do novo auxílio emergencial, temores de perda de
fôlego da atividade econômica, conflito aberto do presidente com a maioria dos
governadores em torno das medidas de isolamento social.
E até dias atrás juntava-se a isso a encrenca do então
chanceler com o Senado Federal.
Em certo momento da confusão, o presidente da Câmara, último muro que separa a oposição de entrar no terreno do impeachment, ligou o
sinal amarelo. Quem avisa, aliado é. A partir dali, ficar parado não era mais
opção para Jair Bolsonaro. Ele entrava na situação corriqueira dos presidentes brasileiros: ter de oferecer os anéis antes de perder os dedos.
Mas só recuar provocaria efeitos colaterais indesejados. Preservaria forças e
recursos do poder. Mas também transmitiria sinal de fraqueza. Que sempre tem uma resultante perigosa: acender ainda mais apetites. Na última linha, a política não
se define pelo sentimento de gratidão, define-se pela correlação de forças. Quem
quer sobreviver precisa ter força, ou ao menos dar a impressão.
É fácil constatar. Se Bolsonaro tivesse apenas trocado o
chanceler e aberto espaço no núcleo do Planalto para uma aliada do presidente
da Câmara, o noticiário giraria em torno do recuo do presidente sob pressão.
Como ele, ao mesmo tempo, deu certo sinal de “manda quem pode”, trazendo as Forças
Armadas para dançar, o jogo simbólico ficou algo equilibrado.
Sim, apenas equilibrado, porque restou claro que os novos
comandantes foram indicados em consenso com o escalão mais alto de cada força.
Assim, ao final, todo mundo mostrou um pouco de dentes: a Câmara dos Deputados,
o Senado, o Presidente da República e a turma das quatro estrelas na Marinha,
no Exército e na Aeronáutica.
E segue o jogo. E qual é esse jogo? Há a necessidade de
combater a pandemia e retomar a economia, claro, mas a bússola política está apontada mesmo é para 2022. Aliás, esse talvez seja o principal saldo semiótico
das últimas semanas. Tem projeto? Então foco. Prepara-te para outubro do ano
que vem. As outras opções são bem menos prováveis.
Pois, a rigor, ninguém relevante está, tirando a retórica,
interessado numa ruptura. Entre os vários motivos: ao contrário de Fernando
Collor e Dilma Rousseff, o vice agora não é uma ponte potencial dos políticos para
a ocupação do governo. E outro detalhe: numa ruptura digna do nome, não tem seguro que proteja 100% de ser tragado pelo tsunami.
Sobre tsunamis, esta semana registrou-se mais um aniversário de 31 de março
de 1964. Como habitual, reacendeu-se a discussão sobre o que teria acontecido
se Jango não tivesse sido derrubado. Debate que persistirá para a eternidade.
Uma coisa, porém, é certeza. Nem Juscelino Kubitschek, nem Jânio Quadros e
muito menos Carlos Lacerda eram comunistas.
Todos apoiaram a deposição de João Goulart. E quem não
souber o que aconteceu depois com eles, é só procurar no Google.
Nenhum comentário:
Postar um comentário