segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Debates e pesquisas

A novidade nos debates eleitorais para prefeito é a profusão de candidatos de primeiro turno com presença nos eventos. Mais um caso de como o engessamento legal impede que se discuta a sério qualquer coisa. Vira um torneio de frases espertinhas e sacadas previamente preparadas. 

Presença de espírito é certamente uma qualidade esperada nos governantes. Mas, também com certeza, não será a principal.

Já nos Estados Unidos uma dúvida é se Donald Trump vai mesmo participar dos dois debates que restam contra Joe Biden antes da eleição. Também ali faz algum tempo que caíram as máscaras de cavalheirismo e cortesia (leia). 

Outra dúvida, se Trump seria ajudado por ter ficado doente, vem sendo dirimida pelas pesquisas. Parece que não (leia). Inclusive porque a maioria dos pesquisados considera que o presidente poderia ter evitado a Covid-19 se tivesse levado a coisa mais a sério.

É certamente uma diferença e tanto em relação à facada sofrida por Jair Bolsonaro.

sábado, 3 de outubro de 2020

E se Bolsonaro estiver sendo subestimado?

Quase dois anos depois da inauguração de Jair Bolsonaro na presidência, já é possível esboçar algumas linhas de seu processo decisório. Uma delas, talvez a principal: ele navega sempre de olho nos objetivos programáticos mas nunca descuida de se garantir na variável-chave da sustentação política.

No limite, abre mão sempre que isso é indispensável para não perder base que o sustenta, e não apenas no Congresso.

Eis uma complexidade na vida dos que fazem oposição ou têm a missão de criticá-lo. Como no esquema do teatro grego, o bolsonarismo tem uma máscara, a da antipolítica. Acontece que no fritar dos ovos a política acaba sempre dando as cartas.

Vem daí certa frustração notada entre os apoiadores mais da ponta do espectro.

Uma avaliação honesta do processo decisório bolsonarista terá de admitir, verificada a realidade, que o capitão-deputado feito presidente não é tão tosco quanto alardeiam os detratores. E que há, ao contrário, algum grau de sofisticação na atual operação política.

Acontecia também com Luiz Inácio Lula da Silva, naturalmente que com sinal trocado. Os opositores e críticos viam-no como pior do que realmente era de jogo. O grave erro de, nos negócios e na política, subestimar o concorrente.

Vamos olhar aqui dois eventos. O primeiro é a política para o Nordeste. Claro que teve o acaso, que foram a Covid-19 e o consequente auxílio emergencial, que aliás nasceu magrinho e engordou pelos esforços da oposição. O segundo é a recente indicação do nome para o STF.

Sorte e azar fazem parte do jogo, e quando as decisões são tomadas é preciso levar isso em conta. Análises a posteriori sempre têm um pouco de engenharia de obra feira, mas talvez os governadores do Nordeste tenham tido azar na escolha que fizeram de aceitar uma certa polarização contra o Planalto.

Talvez trabalhassem com a premissa de que o governo ficaria inflexivelmente aferrado à austeridade econômica e isso lhes daria um terreno fértil para fazer oposição a Brasília nos seus estados, reconhecidamente os mais dependentes do dinheiro federal.

Simplesmente não aconteceu, e hoje o cenário é de um bolsonarismo que ganha terreno ali com base em política social, verba para obras e alianças com políticos de direita (mesmo quando ditos de centro) que aliás também já foram aliados do PT.

Talvez o jogo não se inverta completamente no Nordeste, mas Bolsonaro não precisa disso tudo. Basta a ele crescer na região e sustentar de algum modo a posição no Sudeste e no Sul.

As pesquisas mostram que esse objetivo está mais à mão no segundo do que no primeiro.

E tem a indicação para o STF, que claramente teve como vetores 1) não afrontar o próprio STF, 2) garantir o apoio no Senado Federal, com poder de veto neste caso e 3) sinalizar aos políticos com um nome não identificado com a caça a eles.

O fato é que nenhuma das especulações anteriores à indicação descrevia esses critérios como essenciais. Bolsonaro foi aqui claramente subestimado.

E talvez o erro tenha estado em ouvir demais o que se diz na política em vez de dar atenção ao que se faz. De vez em quando, já se disse aqui, o mais prudente é colocar a política no mudo.

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Trump

E Donald Trump é a enésima vítima do SARS-CoV-2. Na idade dele, e com o sobrepeso dele, o risco não é desprezível. A dúvida principal é sobre o efeito que isso possa vir a ter no desenlace da eleição presidencial de novembro, que até o momento apresenta cenário bem desfavorável ao republicano.

Outra dúvida é se o adversário, Joe Biden, foi contaminado no debate desta semana, o primeiro dos três previstos. Outra dúvida ainda é se haverá mesmo os dois debates que faltam. É muita dúvida junta numa eleição que parecia mais ou menos encaminhada. Parecia.

Vamos ver como o presidente norte-americano se sai dessa. Se escapar com alguma tranquilidade poderá saborear um certo "efeito Bolsonaro", bradar que venceu o que Trump chama de "vírus chinês" quando quer esculachar o concorrente asiático.

Cada um que faça sua aposta. Agora é olhar as pesquisas todo dia. Um bom lugar para isso é o FiveThirtyEight (leia). Vale a pena acompanhar a eleição norte-americana por ali. Especialmente se você é chegado em apostas e não gosta de perder.

Troca no STF

Não é novidade a hipertrofia no Judiciário, em particular no Supremo Tribunal Federal. Aliás, começar uma coluna com “não é novidade” talvez devesse ser evitado. Mas, infelizmente, é a pura verdade. No caso específico do STF, já faz algum tempo que ele se sente tentado a operar como uma espécie de assembleia constituinte não formalizada.

Outra coisa que não é novidade: ficaram para trás os tempos quando se sabia de cor a escalação dos onze da seleção brasileira mas não se tinha a menor ideia de quem eram os onze do STF. Hoje isso inverteu-se. Cada um que julgue se melhoramos ou pioramos.

Importa menos saber como chegamos a esta situação, o fato frio é que nas próximas semanas um nome deverá passar pelo trâmite no Senado Federal para ocupar a vaga do ministro Celso de Mello, que se aposenta. Dadas as circunstâncias jurídicas e políticas, trata-se de um baita momento.

Vamos ao retrospecto. A experiência de governantes indicarem nomes por critérios identitários não foi propriamente um sucesso para quem indicou. E o histórico das decisões e opiniões de antes da ascensão à suprema corte não tem sido garantia de coerência no voto, uma vez o ministro instalado na cadeira.

E exposição aos holofotes tem trazido casos de mudança radical nas ideias.

Mesma coisa o “Q.I” (quem indica). Se pelo menos um ministro dos indicados por Dilma Rousseff tivesse votado para soltar Luiz Inácio Lula da Silva antes da eleição o ex-presidente teria sido solto e ficado disponível para subir nos palanques do PT e aliados. Não aconteceu.

O que explica isso? Independência? Cada um, novamente, que faça seu juízo.

Onde estará então a virtude? Um critério importante é o nome não enfrentar obstáculos intransponíveis no Senado, que é quem aprova. E o Senado é composto por políticos, mesmo quando fantasiados de “anti”. Sugerir alguém publicamente identificado com a caça a suas excelências seria oferecer muita sopa para o azar.

O que de melhor um presidente da República deve esperar do STF? Que não se meta, ou meta-se pouco, na atividade de exercer o Poder Executivo. Um presidente que ajude a fazer o STF retornar ao tamanho previsto na Constituição estará prestando um serviço inestimável ao que se convencionou chamar de democracia.

Mas não basta. O desejável, do ângulo do Executivo, e mesmo do Legislativo, seria um STF que praticasse a autocontenção como regra em relação ao mundo político, e que começasse a expurgar a tentação permanente de enveredar pelo ativismo judicial. E que propagasse isso pelo conjunto do sistema.

Seria uma revolução.

A conclusão é óbvia: espera-se que o novo nome a substituir o decano que sai consiga resistir à tentação do protagonismo, seja rigorosamente garantista e tenha alergia à judicialização da política.

E que seja um fanático do respeito à Carta. Coisa que anda deveras em falta entre nossos juízes.

Seria um favor que o ocupante do momento do Palácio do Planalto teria prestado a si mesmo, ao seu governo e ao país.

E um favor, antes de tudo, ao próprio Supremo Tribunal Federal.

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Publicado originalmente na revista Veja número 2707, de 07 de outubro de 2020

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

A conta vai para o chefe

O emprego de presidente da República tem delícias, tanto que o ocupante da cadeira costuma fazer de tudo para continuar. Mas com os bônus vêm também os ônus. Um é ter de decidir nas situações mais complexas, quando o risco de errar é mais alto e as consequências, potencialmente mais sérias.

O governo vem atravessando a pandemia porque gastou. E gastou para valer. Agora precisa pousar o avião com o mínimo de solavancos. Não pode nem pensar em precisar de um pouso forçado. Se isso acontecer, o prestígio do piloto poderia ir para o beleléu bem quando ele está concentrado na renovação do contrato.

O problema? Não há por enquanto equação visível que combine 1) muito mais verba para "o social", 2) não aumentar a carga de impostos, 3) não cortar na carne do serviço público, 4) respeitar o draconiano teto de gastos e, last but not least, 5) proteger a saúde política do presidente.

O retrato disso está no noticiário (leia) (leia) (leia). Uma tentação: enrolar o eleitor até a eleição com promessas e palavras bonitas, e só dar a real depois da urna. Sempre muito arriscado. Os políticos elegem seus candidatos nos municípios e quem paga a conta depois é o chefe.

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Anticíclicos funcionam

A boa notícia do dia é a forte criação de empregos em agosto (leia). Boa notícia para o governo, para quem conseguiu se empregar ou tem esperança de encontrar uma vaga. O auxílio emergencial e as outras medidas excepcionais aprovadas contra a crise da Covid-19 parecem estar cumprindo seu papel.

Medidas anticíclicas funcionam. Onde está um desafio agora? Ver se a economia conseguirá respirar sozinha quando tirarem o respirador que a sustenta desde março. O que ajuda? Talvez não tenha havido nesse período destruição maciça de forças produtivas, apenas um breque.

Agora vem a parte mais complexa. O governo vai ter de achar espaço fiscal para dar uma mão aos que não sairão tão bem assim destes meses de paradeira. E vai ter de encaixar a coisa no teto de gastos, que a cada dia ganha mais adversários, abertos ou disfarçados.

Não é mesmo uma equação simples. De todo modo, os dados do Caged de agosto têm gás para dar um respiro à pressionada figura do ministro da Economia. Mas a vida dele é de ciclista. Tem de continuar pedalando (sem trocadilho) para não se esboroar.

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Dono da bondade e da maldade

Os meios de comunicação explicaram ad nauseam que o governo queria um auxílio emergencial de 200 reais e quem forçou o aumento para 600 foi o Congresso. Resultado? Quem vem faturando politicamente é o governo, mais precisamente o presidente da República. E não os deputados e senadores.

O povo é sabido. Sabe que quando o governo não quer soltar um dinheiro ele, governo, luta até o último homem para segurar a coisa na boca do caixa. Ou seja, se pagaram os 600 por mês foi porque o governo concordou. Então parabéns ao governo.

Pela mesma lógica, é ilusão imaginar o povão caindo na conversa de que eventuais "medidas amargas" (leia) serão culpa do Legislativo. O Palácio do Planalto pode correr mas não conseguirá fugir. Os efeitos de aumento de impostos e corte de benefícios no humor coletivo vão em algum grau bater na porta dele.

E deixar para depois da eleição é brincar com fogo. Estelionatos eleitorais têm custo. Se for para fazer, é melhor assumir, explicar e preparar-se para o impacto. Ou alguém acha que os candidatos e militantes da oposição não vão desde já bater na tecla de que o eleitor está mais uma vez a caminho de ser enganado?

domingo, 27 de setembro de 2020

A enésima morte da nova política

A ideia da necessidade de uma política de tipo inteiramente novo não é novidade na política nacional. Basta lembrar do “Brasil novo” prometido pelo então candidato a presidente Fernando Collor de Mello, três décadas atrás. A tentação é permanente. Quem não gostaria de resolver os próprios problemas e aporrinhações simplesmente apertando o botão de reset?

De tempo em tempos, mais agudamente em crises que esgotam a paciência, o eleitor cai nessa. É arrastado pela promessa de que a ponte para superar os impasses é trocar as pessoas erradas pelas certas. E nunca faltam candidatos a preencher a necessidade. E acabam chegando ao poder carregados da esperança de que vão finalmente passar o sistema a limpo.

Mas tão previsível quanto o apelo cíclico das promessas de renovação é o poderoso efeito permanente da inércia. Se até nas rupturas dignas do nome ela opera com impacto decisivo nas políticas pós-revolucionárias, quanto mais em transições de superfície, como às que nosso país está habituado na sua já relativamente longa história.

O Brasil é quase um laboratório permanente de experimentação da teoria que adverte sobre o peso opressor das ideias mortas sobre as ações dos seres vivos que se imaginam como o novo. Nada é mais previsível por aqui que a alternância entre a euforia diante da novidade e o conformismo quando o velho finalmente volta a se impor.

O surto mais recente de ansiedade por uma nova política vem de 2014, impulsionado pela explosão de junho de 2013, o embrião do momento por que o país passa hoje. Mas se ao longo destes anos você fosse perguntando às pessoas “afinal, o que é a nova política”, provavelmente constataria, surpreso, que ninguém tinha a menor ideia da resposta.

Ao final, a nova política acabou se vestindo de algo bastante velho, o clássico bonapartismo. O culto ao poder unipessoal exercido em ligação direta com o desejo difuso das massas. O obstáculo? Este projeto unipessoal precisaria impor-se na prática aos bolsões de poder estabelecido.

No Brasil isso é praticamente impossível, ou muito difícil, por várias razões. Uma singela: o sistema está organizado para impedir qualquer presidente de eleger com ele a maioria parlamentar. Presidente, governadores e prefeitos. O problema está nos três níveis da federação. Na teoria, trata-se de um sistema de freios e contrapesos. Na prática, a garantia de que nada vai mudar.

Neste final da metade do (primeiro?) governo Jair Bolsonaro, assistimos ao enésimo enterro de um ensaio da possibilidade de uma política inteiramente nova. Mas, a exemplo de Luiz Inácio Lula da Silva, o atual presidente teve a inteligência, e a prudência, de mandar a coisa toda do "novo" às favas enquanto ainda tinha força suficiente para dissuadir “a velha política” de tentar derrubá-lo.

Pois a coisa anda perigosa. Invocar questiúnculas para derrubar governantes que perderam a (ou nunca tiveram a) maioria parlamentar parece estar virando, como se diz, carne de vaca. Comprova-se, de maneira ineditamente disseminada, que governos “técnicos” estão sempre a caminho de cair. Ainda mais com a atual exuberância de um Judiciário inebriado de poder.

E de Legislativos que perceberam que podem derrubar quem for sem enfrentar reação ponderável.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Fechados

A cidade de São Paulo vai fechar o último hospital de campanha que ainda estava aberto para atender pacientes de Covid-19 (leia). Não são mais necessários, pois a pandemia claramente refluiu na capital paulista, como mostra o gráfico organizado pelo deputado federal Eduardo Cury (PSDB-SP) (veja).

Na real, o pico das mortes na cidade de São Paulo foi atingido em meados de junho. De lá para cá, o que se viu foi um relaxamento progressivo do isolamento social na capital paulista. Que na teoria deveria ter trazido um repique dos casos e portanto de mortes. Mas não aconteceu.

Se as premissas desenvolvidas desde o início da pandemia pelos especialistas estiverem certas - e não há motivo para não estarem - desde junho a cidade de São Paulo deve estar combinando graus razoáveis de distanciamento social e de imunidade coletiva. Não há outra explicação.

E como a presença de anticorpos contra o SARS-CoV-2 ali nunca superou uma ordem de grandeza de 20%, só se pode concluir que, a depender da eficiência do distanciamento social, a imunidade coletiva pode mesmo ser atingida com bem menos que os inicialmente previstos 60% de infectados.

Ou vai ver tudo isso está errado e estamos na iminência de uma segunda onda forte de casos. O futuro dirá.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Pesquisas

Duas pesquisas divulgadas hoje trazem dados interessantes. A do Ibope para a CNI reforça a resiliência (propriedade de voltar à forma original após uma deformação elástica) do presidente da República (leia). 

Já segundo o Datafolha, entre os grandes cabos eleitorais, Jair Bolsonaro é o que menos agrega votos a um candidato que apoie para prefeito de São Paulo (leia).

A contradição pode ser apenas aparente, porque a própria CNI mostra que a aprovação ao presidente não é tão brilhante assim na região Sudeste, onde São Paulo pesa bem. Força mesmo ele mostra no Sul. E recupera terreno no Nordeste, apesar de ainda ser a pior região para ele.

A vida dirá qual será, no fritar dos ovos, o peso de cada apoio na eleição municipal. Uma coisa é o eleitor dizer que vai votar no candidato apoiado por alguém. Outra coisa é colocar o voto na urna. Aguardemos.

Outra curiosidade é saber como reagirão os beneficiados pelo auxílio emergencial quando este acabar. Mesmo que surja um novíssimo programa social, ele não deverá ter a cobertura e a dimensão do auxílio.

Que venham os próximos capítulos.


quarta-feira, 23 de setembro de 2020

A força

O debate em torno da substituição de Ruth Bader Ginsburg na Suprema Corte dos Estados Unidos é uma lição imperdível de realpolitik. Vale por um curso de Ciência Política. 

Quando Barack Obama quis nomear um juiz para a SCOTUS no último ano de mandato dele a maioria republicana bloqueou, com o argumento de que se deveria esperar pela eleição. 

Agora os democratas pedem coerência aos adversários. 

E os republicanos respondem com o argumento da força. Se eles têm os votos, por que arriscar deixando para depois?

Quem apostaria um picolé na hipótese de que se os democratas tivessem maioria numa situação invertida deixariam de fazer valer sua força política?

Na política, regra geral, pode-se ter certeza de uma coisa: o argumento da coerência costuma aparecer exatamente quando falta força. Já quando se tem a força, sempre é possível produzir narrativa que ofereça alguma argumentação coerente capaz de embalar o que se quer fazer.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Doria x Bolsonaro

Qual vai ser o efeito da Covid-19 na eleição municipal? A polêmica sobre as atitudes de Jair Bolsonaro promete ter impacto apenas relativo, pois a eleição é para prefeito e vereador e não para presidente. 

É provável que agora em novembro o eleitor julgue os candidatos mais pelo que fizeram de prático, ou deixaram de fazer, no combate à pandemia.

Mas há outro front na guerra política, este voltado a 2022: a vacina. O político que arrumar vacina, que funcione, para os governados em larga escala vai largar com combustível de primeira. Um trunfo e tanto.

Aqui, no momento, João Doria parece estar com algum gás. Promete nos próximos meses vacina Coronavac em quantidade suficiente para todo mundo que mora em São Paulo (leia).

Mas o Ministério da Saúde de Jair Bolsonaro também corre (leia). O problema são as dúvidas sobre a vacina preferida do governo federal (leia).

É o risco do efeito-bumerangue. A vacina que der zebra na hora da aplicação em massa, ou que acabar não sendo liberada por possíveis danos à saúde, pode ter o efeito eleitoral de uma arma de destruição em massa.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Rádio, TV e Internet

Definidas as chapas, chegou a hora de começar a prestar alguma atenção nas eleições municipais. A campanha no rádio e TV só dá a largada em outubro mas mesmo antes disso a coisa deve começar a dar uma esquentada na Internet e na imprensa. 

Bem, uma das curiosidades deste ano será verificar o peso específico de cada meio para definir o posicionamento do eleitor.

Até 2018 o horário eleitoral jogava papel preponderante, na maioria dos casos. Mas naquele ano o latifúndio televisivo e radiofônico do candidato do PSDB não foi suficiente para alavancá-lo. 

Por outro lado, a TV e o rádio foram essenciais para informar ao eleitor do PT quem era o candidato apoiado por Luiz Inácio Lula da Silva. E isso permitiu uma escalada rápida do nome petista, e assegurou-lhe o direito de ir ao segundo turno.

E agora, como vai ser? Assistiremos à consolidação do protagonismo das redes sociais ou os meios tradicionais farão valer seu peso histórico?

Façam suas apostas.

sábado, 19 de setembro de 2020

Números, narrativas e certezas absolutas

A ciência gosta de calcular por meio de porcentagens a letalidade de um fenômeno qualquer. Até o momento, as mortes por Covid-19 pelo mundo resvalam em 0,1% da população nos casos mais agudos. É relativamente aceitável? Não chega a ser motivo para manchetes. Mas, e se você disser que o Brasil deve passar das 200 mil mortes pela ação do SARS-CoV-2? É bem mais impactante.

Perdas humanas são sempre trágicas, mas não se engane o leitor, ou leitora: para os políticos, lato sensu, elas são apenas uma variável da função que define o grau de sustentação do poder. Outra variável é a narrativa para explicar as fatalidades. Uma boa narrativa pode, em consequência, neutralizar um alto número de mortes, quando se calcula o efeito político delas.

Eis por que o governo federal se agarra à denúncia da resistência dos adversários à cloroquina. Há alguma evidência de que o uso precoce dela teria reduzido as contabilidades fatais? Nenhuma. A ciência já largou de mão faz tempo. Mas isso pouco importa. Interessa antes de tudo fornecer argumentos a quem vai te defender, na mesa do bar ou na reunião da família.

Mas seria injusto particularizar a caracterização no governo federal. Veja-se por exemplo a situação de São Paulo. Até sexta-feira o estado tinha 728 mortes por milhão de pessoas. São Paulo desde o início escalou uma profusão de celebridades científicas para dar cobertura à política. Depois implantou um sistema labiríntico para a saída da quarentena, o Plano São Paulo.

Bem, com suas 728 mortes por milhão, São Paulo está pior que o Brasil no seu conjunto, onde o número até sexta-feira estava em 641. É razoável deduzir então que o enfrentamento da Covid-19 vem sendo pior em São Paulo que no resto do país? Fica a dúvida. Mas é inegável que a performance de “culto à ciência” está ajudando, e bem, o Bandeirantes a atravessar a borrasca.

Voltemos aos 0,1%. Suponhamos que a China tivesse deixado a doença seguir seu curso natural, como fizeram em grande medida o Brasil e os Estados Unidos. É razoável projetar que teríamos então mais de um milhão de chineses mortos pela ação do SARS-CoV-2. Explica-se portanto o duríssimo rigor das autoridades ali. Seria um número de alta letalidade política e propagandística.

Números são números. E aí os políticos levam uma vantagem sobre os cientistas. Podem mudar de conversa de um instante para outro, pois no primeiro ramo a coerência não chega a ser um valor vital. Já no ramo científico espera-se que o dito hoje tenha ver com o dito ontem. Se não tiver, é obrigatório explicar por quê.

Uma explicação que os divulgadores científicos estão a dever é sobre o atingimento da imunidade de rebanho. Lá no começo da pandemia afirmava-se que seria necessário contaminar uns 60% da população para as curvas de casos e mortes entrarem na descendente. Bem, elas estão caindo por aqui sem que a população dotada de anticorpos ultrapasse 20%.

Pode ser que haja gente resistente à coisa mesmo sem exibir anticorpos. Ou pode ser que o número estivesse errado. Ou outra hipótese qualquer. Há muitas por aí. Certamente um dia será explicado. De lição, fica apenas constatar, novamente, que ciência de verdade não combina com certezas absolutas a respeito de assuntos que ainda não se conhece bem.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Para todos os gostos

Um fenômeno disseminado nesta pandemia da Covid-19 é a crescente falta de correlação entre casos e mortes. A letalidade do vírus parece estar reduzindo-se. Isso é mais visível em países que enfrentam uma clara "segunda onda".

Um caso forte de segunda onda é Israel. Que em pleno Ano Novo judaico entrou em um severo lockdown (leia).

As hipóteses são variadas, mais um sintoma de que a ciência, em larga medida, ainda tateia na busca de explicações. Pode ser que os indivíduos mais vulneráveis já tenham sido vitimados na primeira onda. Pode ser que o vírus se adapte para matar menos, e assim preservar seu estoque de "infectáveis".

Pode ser também que o uso intensivo de máscaras reduza a quantidade de vírus que atingem o indivíduo, a ponto de este acabar imunizando-se sem apresentar sintomas graves. A hipótese foi bem dissecada no episódio 51 do Luz no Fim da Quarentena, podcast da revista Piauí (ouça).

Tem explicações para todos os gostos.


A luta do centrismo

Uma característica destas eleições municipais, além da pulverização das candidaturas a prefeito trazida pelo fim das coligações para vereador, é a movimentação do centrismo para construir a base de alternativas competitivas na eleição presidencial. Acontece na esquerda e na direita. Nesta, nota-se a atração mútua entre PSDB, MDB e Democratas. Naquela, entre PSB e PDT.

O objetivo de cada um é quebrar a hegemonia em seu campo. Na direita, reina soberano por enquanto Jair Bolsonaro. Na esquerda, apesar dos pesares, nenhum desafiante chega perto de Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo consideradas as atribulações jurídicas do ex-presidente. Ciro Gomes ainda consegue alguma musculatura. Mas João Doria come poeira.

E Sérgio Moro por enquanto é incógnita.

Em condições normais de temperatura e pressão a primeira fila no grid para 2022 estará portanto ocupada. O que pode porém mudar? No centrismo de esquerda, uma esperança é que desta vez o eleitorado de Lula, se ele não puder concorrer, não marche para o candidato de Lula. No centrismo de direita, o sonho é que Bolsonaro seja removido antes da largada por algum fato ainda fora do radar.

Daí que, num apenas aparente paradoxo, o foco da pancadaria de cada um seja o “aliado” potencial, e não o adversário eleitoral. O objetivo principal de tucanos, democratas e emedebistas nesta eleição de prefeito e vereador é derrotar o bolsonarismo. E o esforço maior de pessebistas e pedetistas é maximizar as dificuldades político-eleitorais do PT para impor ao partido de Lula o maior desgaste possível.

Observadores cartesianos da cena podem até achar estranho, mas assim é a política. Qualquer análise desta que não tenha como centro a luta crua pelo poder é desperdício de tempo e energia intelectual. E ninguém chega a um segundo turno sem passar pelo primeiro. E o principal obstáculo no primeiro turno costuma ser exatamente aquele “amigo”, para o eleitor de quem você vai ter de pedir apoio e voto quando chegar a hora da decisão.

Daí por que se compreende o presidente da República resistir a colocar o cacife dele na mesa dos primeiros turnos nos municípios. A não ser quando for importante para, desde agora, enfraquecer diretamente seus possíveis adversários em 2022. Já no caso de Lula, a prioridade parece ser evitar que o PT se dilua em alianças que podem fortalecer quem deseja aposentar o ex-presidente.

Não que ambos, Bolsonaro e Lula, dependam tanto assim do resultado deste novembro. Ele é vital para seus concorrentes, mas os dois podem sobreviver bastante bem a revezes de sua tropa. Pois eleição presidencial tem características de eleição solteira. O eleitor não vota no presidente porque o deputado ou o governador mandaram, mas pode muito bem decidir votar no governador ou no deputado porque são apoiados pelo candidato a presidente.

E tem outra: quanto mais cada partido, o bolsonarista e o lulista, vier a sofrer agora, mais precisará do líder para comandar a colheita na urna daqui a dois anos. Fica a dica.

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Publicado originalmente na revista Veja número 2705, de 23 de setembro de 2020

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Jaboticabal

A Folha de S.Paulo faz uma coisa diferente. Escolheu uma cidade no interior de São Paulo para realizar uma cobertura completa da sucessão municipal. É Jaboticabal (leia). Iniciativa interessante. Normalmente, a cobertura eleitoral dos jornais ditos nacionais é 100% concentrada nos maiores centros.

Milhares de municípios, mesmo grandes, ficam completamente nas sombras do trabalho jornalístico dos maiores veículos. E não só nas eleições. O que sabemos, por exemplo, do andamento da Covid-19 no interior do Brasil? Só as estatísticas, e mesmo isso é preciso escarafunchar.

Já se disse do Brasil que nunca deixará de ser um país litorâneo, considerando-se "litoral", quem sabe?, o espaço que vai até uns 100 km da costa. Este texto é curto para dissecar o fenômeno, mas nossa interiorização não teve a profundidade e a intensidade, por exemplo, da dos Estados Unidos. Infelizmente.

De todo modo, é saudável sempre olhar o Brasil como um todo. E eleições para prefeito e vereador são uma excelente oportunidade para lançar a vista além do que se costuma olhar. Pois conhecer o cenário completo é o melhor meio de minimizar a possibilidade de errar na análise.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Exercício inútil

Exigir coerência na política é um exercício inútil de ingenuidade. Aliás, coerência não chega a ser um valor em si nesse ramo de atuação. Se o governante está errado, espera-se que ele corrija o rumo, sob pena de conduzir os governados à catástrofe, se não o fizer. A história está repleta de exemplos.

Num dia o presidente da República diz não querer nem ouvir falar no Renda Brasil. No outro, dá sinal verde para o Congresso Nacional achar um espaço orçamentário adequado a um eventual novo programa social (leia). É incoerente? Sim. Mas, e daí?

Qual é a divergência? Aparentemente, a equipe econômica vê na criação do novo programa social um cavalo de troia que carregaria na barriga maldades compensatórias. O presidente, que ao contrário do mercado depende de voto, não quer nem ouvir falar.

Mas se suas excelências no Parlamento descobrirem de onde tirar dinheiro, e sem praticar maldades, claro que Jair Bolsonaro não vai se opor. E poderá saborear então uma doce derrota. Como o auxílio emergencial, proposta na qual ele foi derrotado nas manchetes mas faturou no povão.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

A corda

Não tem escapatória. Ideias econômicas estão sempre subordinadas às circunstâncias políticas do governo que precisa pilotar o transatlântico da economia. Quando os "gestores" econômicos têm dificuldade para compreender isso, preparam a corda do próprio enforcamento.

A última que acreditou poder fazer um ajuste fiscal #supermegablaster porque, afinal, teria muito tempo para recuperar depois a popularidade foi Dilma Rousseff. O desfecho daquele projeto é conhecido. Parece que Jair Bolsonaro não cultiva a pretensão de ter a cabeça oferecida em sacrifício aos deuses do mercado.

O problema: parte dos que o elegeram esperam ainda ver ele cumprir a promessa de delegar 100% da política econômica. Mesmo ao custo de ter de deitar o pescoço na guilhotina. Trata-se de uma contradição de difícil equacionamento nos marcos da paz (leia).

A reeleição traz seus problemas, mas mesmo se o mandato fosse único o presidente, nas regras de agora, estaria sempre sob risco de perder a maioria congressual e cair. A questão é outra: para ter liberdade de praticar políticas duras, para qualquer lado, o presidente precisaria eleger com ele a maioria do Congresso.

Mas aqui o sistema está organizado para evitar isso.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Lixando-se

Em algumas áreas, o serviço público deveria estar iniciando o retorno às atividades mas não está, devido a decisões judiciais e posicionamentos particulares (leia). O mais espantoso é que os envolvidos já tiveram mais de meio ano para se organizar. E para pensar como seria a volta. E nada.

No final das contas, estão se lixando para o cidadão comum.

O contraste entre as praias lotadas e, por exemplo, a recusa dos profissionais a atender o público no INSS é chocante. O mesmo se dá com o contraste entre as praias lotadas e as escolas vazias. Estas últimas poderiam até ser lidas como um exemplo de preocupação com a saúde. Se não fosse, repito, o contraste.

Sem falar na teia de decisões judiciais contraditórias entre si, movidas, ao menos no que aparentam, mais por interesses particulares que pelo interesse coletivo. Ainda que venham fantasiadas de ações "em nome do bem comum".

Sintomas de um país doente.